Como avaliar, diminuir -- e impedir -- os danos da mineração na Amazônia
segunda-feira, abril 24, 2023
O impacto da mineração em áreas de floresta é multiplicado em dezenas de vezes por outros fatores, além da mina em si. As consequências mais prejudiciais ocorrem pela construção de infraestrutura associada à exploração dos minérios, como estradas de acesso, ferrovias, linhas de transmissão de energia e expansão de áreas para moradia, ocupadas por pessoas atraídas pela possibilidade de trabalho. É o que mostra um estudo recente realizado pela engenheira florestal Juliana Siqueira-Gay, para sua tese de doutorado, defendida na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). “Demonstramos que os impactos nas florestas da infraestrutura associada pode ser 40 vezes maior do que os da própria mina”, diz a pesquisadora. “Para cada hectare desmatado para extração e processamento de minérios, outros 40 podem ser destruídos no entorno das estradas.” Ela e colegas publicaram na Nature, em 2022, um artigo sobre análise e mitigação desses impactos.
Juliana desenvolveu um modelo matemático para estimar o impacto de projetos de mineração em áreas de florestas protegidas. O trabalho avaliou o que aconteceria na Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), com área de 47 mil quilômetros quadrados, divididos entre os estados do Amapá e do Pará. O complexo sobrepõe nove unidades de conservação e terras indígenas, áreas em que não é permitida a mineração.
A motivação da engenheira florestal para realizar a pesquisa foram as propostas de abertura da Renca e de outras áreas protegidas para novos projetos de mineração e infraestrutura no Brasil e no mundo. O Projeto de Lei 191/2020 foi apresentado ao Congresso sob o pretexto de regulamentar a mineração em terras indígenas. “Mas é um exemplo de uma iniciativa que propõe abertura de áreas inteiras sem a avaliação robusta e sistemática das consequências decorrentes de novas atividades nessas áreas”, afirma Juliana.
Por isso, a engenheira se propôs a discutir os danos na biodiversidade em decorrência de propostas de abertura de novas minas. “Foi tomada como referência a Renca, uma área que já esteve sob os holofotes para abertura e vem sofrendo nos últimos anos com a pressão do avanço da mineração na região”, explica. “Avaliamos diferentes cenários de abertura, para mostrar como seriam impactadas florestas, por meio da perda direta de áreas de alta relevância para conservação e pelo aumento da fragmentação da paisagem causada pelas novas estradas.”
Em números, o trabalho mostrou que, no caso da liberação de novos projetos de mineração no cenário de desenvolvimento de todos os depósitos minerais da região da Renca seriam necessárias, nos próximos 30 anos, a construção mais de 1.400 km de novas estradas para conectar as novas minas às rodovias existentes. “Esses novos projetos, incluindo estradas e infraestrutura de transporte de minérios, seriam responsáveis pelo desmatamento de mais de 7.600 km² de florestas na região”, diz Juliana. O estudo avaliou quatro diferentes cenários de avanço de mineração. O mais restritivo exigiria "apenas" 575 km de estradas adicionais. Os pesquisadores deixaram claro que mesmo esse cenário restritivo não é o desejável, do ponto de vista de conservação ambiental.
Essa visão de consequências de médio e longo prazo faz falta nas discussões sobre mineração em áreas sensíveis. No artigo publicado na Nature, a engenheira e seus colegas propuseram medidas para ao menos atenuar o impacto da decisão, quando ocorrer a abertura de alguma mina. O uso da metodologia proposta, que leva em conta relevo e detalhamento do bioma, se aplicado no momento de definir o traçado de rodovias, reduziria a fragmentação das áreas protegidas.
De acordo com o biólogo e ecólogo Leandro Vale Ferreira, do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), especialista em estudos para o estabelecimento de áreas protegidas na Amazônia, se a mineração for liberada em áreas de florestas protegidas irá ocorrer um desastre ambiental e humano sem precedentes. “Um exemplo claro disso foi demonstrado recentemente com o aumento exponencial das atividades de garimpo ilegal nas terras indígenas da região”, lembra.
Para Ferreira, isso só ocorreu porque houve conivência dos governos federal e estadual da gestão anterior, que não se preocuparam com os impactos ambientais decorrentes. “Entre eles, estão o desmatamento sem controle, a retirada de recursos naturais e a poluição do ar, terra e recursos hídricos causados pela mineração”, enumera. “Outro ponto importante que ocorre é a degradação humana, que as populações indígenas sofrem devido, a falta de alimentos, doenças e prostituição.”
Para evitar que novas áreas de florestas protegidas como a Renca sejam liberadas para a mineração e para tentar reverter e acabar com a exploração ilegal de minérios, Ferreira diz que, primeiro, é preciso encarar de maneira clara que a Amazônia é finita e que a exploração dos recursos naturais sem critérios ambientais e sociais levam ao colapso das atividades econômicas.
Segundo o biólogo, atualmente, é possível, exercer atividades econômicas sem necessariamente destruir o meio ambiente, mas sem ação enérgica do estado em coibir as atividades ilegais, o desmatamento irá prosseguir até que a floresta não consiga mais se regenerar. “Isso é chamado de ‘ponto de não retorno’, quando a destruição da Amazônia pelo desmatamento irá transformar esse bioma em outro tipo de vegetação, mais seca, mais pobre em espécies, com pouca biodiversidade, tendo como conseqüências a degradação ambiental e social”, alerta.
Em termos mais práticos, Ferreira vê avanços que começaram a ocorrer recentemente. Ele cita como exemplo a volta das fiscalizações constantes, que eram realizadas pelos órgãos ambientais federais e estaduais para coibir as atividades minerais dentro e fora das unidades de conservação e terras indígenas, que havia sido interrompidas pelo sucateamento da infraestrutura existente e falta de financiamento promovidos pelo governo anterior.
Acrescente-se a isso, a volta da comunicação de ministérios responsáveis pela preservação da Amazônia, como o do Meio Ambiente e de Minas e Energia. “Há sinais de que estão traçando estratégias em conjunto para aprimorar as atividades de fiscalização”, comemora o biólogo do MPEG. “O rastreamento do dinheiro ilegal de pessoas físicas e jurídicas, o que tem dificultado a lavagem de dinheiro obtido pela mineração ilegal, é outro ponto positivo”, diz.
Para Juliana, por sua vez, é necessário que haja uma consideração estratégica dos impactos cumulativos da mineração, que hoje são negligenciados no licenciamento ambiental de novos projetos. “Os cenários de nosso estudo mostraram a importância que a conservação de determinadas áreas tem na redução da fragmentação e perda de habitat”, explica. “Deixamos clara a importância do planejamento estratégico de longo prazo para manter áreas sem mineração e também a relevância do planejamento detalhado das estradas e infraestruturas associadas a novos projetos.”
Fonte: Um só Planeta
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