Entre a terra e o mar: iniciativas aliam diferentes tecnologias para recuperar zonas úmidas costeiras no Brasil
quinta-feira, junho 02, 2022
Em todo o planeta, ecossistemas se degradam a um ritmo sem precedentes e próximos de um ponto de não retorno. No relatório sobre o Estado do Clima Global de 2021, ano em que "os alarmes do clima dispararam", a Organização Meteorológica Mundial (OMM) alertou que o aquecimento global está elevando o risco de perda irreversível dos ecossistemas marinhos e costeiros e causando desequilíbrios.
Entre 20% e 90% das atuais zonas úmidas costeiras estão em risco de serem perdidas até o final deste século, dependendo da rapidez com que o nível do mar subir. Isto pode comprometer ainda mais o fornecimento de alimentos, o turismo e a proteção costeira, entre outros serviços ecossistêmicos importantes. Como reverter essa tendência negativa? Investindo no fortalecimento da própria natureza.
Iniciativas mostram como os benefícios da restauração de manguezais, marismas e leitos de gramas marinhas são fundamentais na proteção das comunidades e da infraestrutura contra tempestades e aumento do nível do mar. Além disso, ajudam a armazenar carbono e capturam e armazenam matéria orgânica no solo.
Os motivos para diminuição das zonas costeiras úmidas vão desde a revegetação do topo das dunas, ocupação por empreendimentos aquícolas e salineiros, até a expansão de espécies invasoras. A diminuição das faixas de praias e dunas também pode ser explicada em parte pela forte pressão imobiliária.
A brasileira PlantVerd atua na restauração de diversos biomas no Brasil. À frente da startup, o CEO Antonio Borges coordena um projeto de restauro na Serra do Mar que começou na região do Planalto com o reflorestamento de 430 hectares de Mata Atlântica por conta das obras da Rodovia dos Tamoios. Hoje há um custo médio por muda plantada e mantida de R$ 20 a R$ 25 até que ela possa ficar na natureza sem cuidados humanos. Agora, a PlantVerd trabalha na restauração de 153 hectares na Ilha Anchieta, em Ubatuba (SP).
Com 8 quilômetros quadrados de extensão, a Ilha Anchieta recebeu imigrantes japoneses que introduziram espécies de bambus exóticos. Depois o lugar foi um presídio de segurança máxima na ditadura militar, fatos que causaram processos de degradação intensa. Segundo Borges, o resultado da recuperação da área será colhido a médio e longo prazo.
“Nestes processos de degradação, entraram espécies invasoras. Entre as principais, está a Samambaia, que impede o crescimento das árvores nativas. E mesmo sendo uma área de proteção integral, ela precisa de cuidados para que as invasoras não se alastrem cada vez mais. Estamos recuperando mais de 153 hectares, com investimento superior a 4,5 milhões. O projeto prevê a retirada das espécies invasoras e o plantio de espécies nativas e o enriquecimento ambiental, aumentando o número de árvores”, conta.
O executivo diz que também está em análise a restauração da restinga na Praia da Fazenda, no parque estadual da Serra do Mar, com as primeiras visitas e elaboração de projetos em andamento. O desafio é recuperar a vegetação natural que protege a areia da praia da "invasão" das águas do mar.
“Estamos conhecendo um pouco da realidade no restauro no litoral. Uma coisa que achamos importante e que está alinhado com a Fundação Florestal [órgão do governo do Estado de São Paulo] é a retirada de algumas árvores, as castanheiras. Elas têm folhas largas que ficam nas praias. É uma espécie exótica e traz um impacto negativo porque faz sombra e vai matando a vegetação local" explica.
Manguezais fortalecidos
Fortalecer a natureza também passa pela atenção às comunidades que dela dependem diretamente para sua subsistência. O Projeto 'Mangues da Amazônia' ensina catadores de caranguejos da Amazônia a proteger mangues para manter a exploração sustentável. Donos de uma rica fauna, os mangues produzem nutrientes para a vida marinha e funcionam como sumidouros de carbono, essenciais no combate à crise climática. A exploração insustentável, porém, degrada esse ecossistema e reduz até o tamanho dos animais coletados pelas comunidades.
Na contramão dessa tendência, o 'Mangues da Amazônia' atua na recuperação de espécies-chave dos manguezais com a elaboração de estratégias de manejo da madeira e do caranguejo-uçá com a participação das comunidades locais. Promoção de capacitações e ações de educação ambiental já atingiram mais de 1600 pessoas.
Além de frear os danos mais severos das mudanças climáticas, a ação leva renda e desenvolvimento às comunidades locais sem comprometer as futuras gerações. “Já plantamos mais 50 mil mudas de manguezal, recuperando áreas degradadas", conta o gestor do projeto Mangues da Amazônia John Gomes. "Essa atividade envolve diretamente a comunidade, desde a coleta da semente, passando pela semeadura, até o plantio após um ano de cultivo”.
Segundo ele, a sensibilização das pessoas em prol da conservação dos manguezais ajuda o ambiente a ser resiliente e fonte de segurança alimentar para a população que mora no entorno. Após 1 ano e 4 meses de projeto, eles já ensinaram de forma lúdica mais de 180 crianças na idade de 3 a 6 anos com o Clube do Recreio, 84 crianças de 7 a 12 anos com o Clube de Ciência e 94 jovens de 13 a 19 anos com o projeto Promangue. Todas as atividades possuem o manguezal como "escola" para o aprendizado imersivo.
Reconstruindo a floresta marinha
A atuação dos projetos tem respaldo científico. Um estudo global encomendado pela Organização das Nações Unidas (ONU), feito por 27 pesquisadores de 12 países e publicado na revista “Nature”, mostrou que podemos salvar 71% de espécies da extinção, restaurando apenas 30% dos ecossistemas degradados do planeta.
A preservação somada aos projetos de restauração das praias e dunas é essencial para o controle da erosão costeira e preservação da faixa litorânea e sua biodiversidade. Cientistas preveem mudanças na distribuição e alimentação de peixes no oceano Atlântico em 30 anos, o que pode levar à proliferação de algas, impedindo o desenvolvimento de corais e prejudicando o turismo e a pesca.
Embora cubram menos de 1% do fundo do oceano, os recifes são um habitat valioso para mais de um quarto das espécies marinhas do mundo. A Biofábrica de Corais, startup que atua no litoral de Pernambuco tem como foco principal a aplicação de ferramentas biotecnológicas para promover a restauração de recifes de corais, iniciou as atividades em 2017, como um projeto de pesquisa do Laboratório de Enzimologia Luiz Accioly, do Departamento de Bioquímica, na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
A startup desenvolve pacotes tecnológicos para manejar espécies de corais brasileiros, incluindo a transplantação de corais nativos, um dos principais focos do negócio. Adaptada da silvicultura terrestre, a técnica de transplantação é muito utilizada para a propagação de corais no mundo.
A principal inovação no processo de transplantação proposto para corais nativos brasileiros foi o uso de dispositivos impressos em 3D para o cultivo das mudas de corais, os nubbins, fragmentos de corais coletados no assoalho marinho, com perda tecidual de pelo menos 50%, que são cultivados e posteriormente devolvidos ao ambiente natural.
“As atividades de transplantação podem ser divididas nas seguintes etapas: coleta de corais, com perda tecidual, do assoalho marinho; preparo e fixação dos fragmentos desses corais nos dispositivos de cultivo (berços); a acomodação dos berços nas mesas de cultivo, monitoramento e manutenção dos cultivos por pelo menos 3 meses; seguido da retirada dos berços das mesas e acomodação destes em rochas de aproximadamente 30/50cm por aproximadamente 6 meses; até serem transplantadas para o ambiente natural e monitoradas por pelo menos 2 anos”, explica Accioly.
Ao todo, a Biofábrica de Corais já investiu mais de R$ 240 mil neste programa. A Fundação Grupo Boticário é apoiadora do projeto. A especialista em biodiversidade da empresa, Janaina Bumbeer, diz que a iniciativa da Biofábrica de corais mostra como soluções baseadas na natureza aliadas à tecnologia e inovação podem ajudar o mundo a enfrentar grandes desafios do oceano.
“A solução pode, sim, estar na natureza, mas é importante aliar o investimento em pesquisa, inovação e tecnologias para conseguirmos respostas mais rápidas e replicáveis frente ao cenário ambiental. O projeto ainda se insere em duas agendas globais: a Década da Ciência Oceânica e a Década da Restauração dos Ecossistemas. Mais um indicativo da relevância e urgência do tema para a saúde dos mares e da humanidade”, afirma.
Outra apoiadora é o WWF-Brasil. O analista de conservação da ONG, Vinicius Nora, diz que o projeto realizado na costa de Pernambuco tem se mostrado eficaz ao unir vários atores numa estrutura em rede e tem inovado na recuperação das espécies de corais ameaçados pelas mudanças climáticas.
“Isso traz esperança para adaptar [aos desafios] os recifes de corais, que são base para muitas espécies de valor para a natureza e as economias locais. A tentativa de restaurá-los é algo desafiador, mas o formato desenvolvido em Porto de Galinhas tem se mostrado replicável, com um grande potencial para toda a costa do nordeste”, garante.
Fonte: Um só Planeta
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