Código Florestal completa 10 anos sem cumprir objetivos de restauração de ecossistemas brasileiros
quarta-feira, maio 25, 2022
Esperança para a preservação da biodiversidade brasileira, o Código Florestal completa dez anos neste mês ainda distante de sua implementação plena. A lei impôs obstáculos para impedir o aumento da devastação das florestas no país, mas uma década depois o Brasil ainda acumula pelo menos 16,8 milhões de hectares de áreas desmatadas que deveriam estar sendo reflorestadas e não estão.
Aprovado após intensas discussões no Congresso, o Código Florestal prevê diversos dispositivos para regular o uso da terra e promover mecanismos de monitoramento da exploração ambiental em propriedades rurais particulares.
Entre eles, a lei determina que todos os imóveis rurais devem ter a chamada Área de Preservação Permanente (APP), que são territórios ao redor de nascentes, rios, ou regiões em topos de morros e encostas com proteção obrigatória. Além das APPs, o código também impõe que toda propriedade rural tenha uma Reserva Legal, ou seja, preserve entre 20% e 80% de vegetação nativa em toda a propriedade.
Os pesquisadores explicam que, com o desmatamento, os biomas viram uma espécie de “colcha de retalhos” formada por áreas com e sem vegetação. Essa característica dificulta a perpetuação das espécies que, muitas vezes, não conseguem se reproduzir no habitat devido a dificuldades impostas pela atividade humana, que insere no espaço obstáculos como a agricultura e a pecuária.
— Na Mata Atlântica, a gente perdeu mais de 80% da cobertura da floresta original. No Cerrado, já perdemos mais de 50%. Essa perda não foi num bloco único. O que restou ficou fragmentado. Então, a biodiversidade está vivendo em ilhas. Dependendo do tipo de espécie, ela não consegue cruzar uma plantação de cana, uma pastagem, uma plantação de café, de soja — explica Beto Mesquita, membro da Coalizão Brasil e fundador do Diálogo Florestal. — A recuperação efetiva da vegetação nas áreas de preservação permanente, nos rios, e as reservas legais compondo esse mosaico são a melhor forma de restabelecer a conectividade na paisagem e aumentar as chances das espécies que vivem nesses fragmentos de terra se reproduzirem.
Nesse contexto, outro instrumento do Código Florestal é fundamental para garantir que sejam estabelecidas as áreas de preservação e as reservas legais: o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Todos os proprietários devem registrar as características de suas terras no CAR para que os entes federais e estaduais fiscalizem o cumprimento da lei. Atualmente, há cerca de 510 milhões de hectares de terras com cadastro registrado, segundo o Observatório Florestal, mas a imensa maioria desses dados ainda não foi analisada pelo poder público.
Com isso, na prática, mesmo dez anos após a aprovação do Código Florestal, não há monitoramento se os donos de terra estão preservando as áreas determinadas pela lei. A pesquisadora Cristina Leme Lopes, gerente de pesquisa do programa de Direito e Governança do Clima do Climate Policy Initiative (CPI) da PUC-Rio, diz que é preciso investir em soluções para que o CAR saia do papel.
— Parte da demora da recuperação dos passivos de APP e Reserva legal tem a ver com o atraso na implementação desses outros instrumentos de gestão que foram criados pelo código de 2012, como o CAR e o PRA (Programa de Regularização Ambiental). O passivo [de devastação ambiental] é grande, o que efetivamente já está sendo restaurado ainda é pequeno em face ao desafio. Se não formos na direção de instrumentos tecnológicos para facilitar essa análise, ela não sai do papel. Então os obstáculos para implementação do Código são tecnológicos, de recursos humanos, e financeiros — explica Lopes.
Uma das saídas para impulsionar a implementação do Código Florestal no Brasil, segundo pesquisadores da área, é fazer com que produtores rurais entendam a necessidade de promover uma atividade econômica que preserve a biodiversidade. O movimento começa a ganhar corpo entre representantes do agronegócio. Este mês, 23 companhias e organizações brasileiras, representando mais de 300 entidades, enviaram uma carta ao presidente americano Joe Biden pedindo apoio para criar um fundo de US$ 9 bilhões para conservação de florestas tropicais, o Amazon21 Act.
— Este é o momento em que temos que tomar uma decisão. Se vamos ter uma commodity mais sustentável, com maior valor agregado, querer esse diferencial para mostrar ao mundo que a gente consegue produzir, preservar e conservar. A gente vem numa crescente de desmatamento, de queimadas. Isso gera um impacto para a imagem brasileira no mercado internacional. É hora de reverter isso, de começar a implementação do Código — argumenta Roberta Del Giudice, secretária executiva do Observatório do Código Florestal.
Giudice chama atenção ainda para as ameaças ao texto dentro do próprio Congresso Nacional. Um levantamento feito pelo Observatório mostra que há pelo menos 14 projetos de lei na Câmara e no Senado que tentam desmontar as balizas estabelecidas pelo Código Florestal. Um desses projetos, que pretende excluir o estado do Mato Grosso da Amazônia Legal, traria como consequência a legalização de 10 milhões de hectares de mata nativa para o desmatamento, além de determinar que 3 milhões de hectares não precisariam mais ser restaurados.
— A gente tem uma oportunidade de virar a página da degradação florestal no Brasil, porque temos hoje todas as informações do meio ambiente rural para começar a implementação do Código Florestal — pontua a pesquisadora.
Fonte: Um só Planeta
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