A bioenergia como alavanca econômica: emprego, saúde e transição energética
domingo, junho 06, 2021
O mundo enfrenta a necessidade de reduzir suas emissões de carbono e garantir uma retomada econômica no pós-pandemia
No Brasil, não será diferente. Entre as muitas possibilidades de se gerar novos empregos, associados à agenda global pró energia limpa, os investimentos em bioenergia despontam como uma oportunidade singular.
O Brasil tem papel destacado em bioenergéticos, marcado pela forte presença do etanol especialmente na matriz de combustíveis do país. Em números absolutos, é o segundo maior produtor mundial de biocombustíveis, atrás apenas dos EUA, e em termos relativos, em percentual de mercado ocupado pelos biocombustíveis frente aos fósseis, é líder.
O volume de etanol produzido (anidro + hidratado) supera o de gasolina A no Brasil, algo que não se encontra similaridade em nenhum outro lugar do globo.
Os investimentos em bioenergia propiciam ganhos econômicos, sociais e ambientais e, mais do que nunca, num contexto de transição energética, serão cada vez mais importantes e valorizados.
A seguir, elencam-se alguns dos principais benefícios associados à produção de bioenergéticos e como eles podem ajudar a alavancar a retomada econômica do país.
Bioenergia, a máquina geradora de emprego e renda
Na esteira do crescimento das energias renováveis, muitas oportunidades de emprego e renda estão sendo geradas. Os benefícios das fontes energéticas mais limpas não se limitam aos ganhos ambientais, há impactos sociais positivos muito mais profundos do que se imagina.
No Brasil, as evidências neste sentido já são conhecidas há bastante tempo por conta da bioenergia, derivada da produção de etanol e biodiesel no país.
Dados da Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA, 2021), dão conta de que o número global de empregos na área de energia renovável saiu de 7,28 milhões em 2012 para 11,46 milhões em 2019, um crescimento de 57%.
Pouco mais da metade das vagas está nas áreas de energia solar e biocombustíveis. A expectativa é de que estes números sigam crescendo.
O Brasil é o segundo maior gerador de empregos em números absolutos na área de renováveis como um todo, atrás apenas da China, e lidera com vantagens o segmento de biocombustíveis, conforme pode ser observado nos números expressos no Gráfico 1.
Gráfico 1 – Top 10 empregadores na área de biocombustíveis no mundo (Fonte: IRENA, 2021)
Dados do Ministério da Economia, da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2019, indicam que o setor sucroalcooleiro empregou formalmente 712 mil pessoas, desde o cultivo da cana até a fabricação do açúcar e do etanol.
Em comparação, o segmento de óleo e gás, empregou do E&P ao refino de derivados perto de 92 mil pessoas, ou seja, a geração de empregos é 8 vezes maior na cadeia sucroalcooleira do que no O&G (Quadro 1).
Quadro 1 – Números de empregos formais em O&G e setor sucroalcooleiro no Brasil
Fonte: elaboração própria a partir de ME, 2021
Se levarmos em consideração a quantidade de empregos por unidade de energia gerada por cada um dos segmentos, pode-se dizer que a bioenergia gera mais de 150 empregos para cada 1 unidade de energia produzida.
A geração de empregos em bioenergia requer também menos capital investido em comparação a outras áreas.
Um estudo científico liderado por pesquisadores do Centro Nacional de Referência em Biomassa (Cenbio) da USP, em 2008, revelou que um investimento médio de 11 mil dólares gerava um emprego no setor de etanol, enquanto na petroquímica eram necessários 220 mil dólares para gerar uma nova vaga (Gráfico 2).
Os dados apesar de antigos, certamente mantém certa proporção ainda hoje e ajudam a dar noção de como a bioenergia é fortemente geradora de empregos.
Gráfico 2 – Empregos gerados no segmento de etanol: empregos por unidade de energia produzida (esquerda) e investimento por emprego criado (direita)
Fonte: Goldemberg, Coelho, Guardabassi, 2008
Melhorias em saúde
Além da fantástica geração de empregos, o uso de biocombustíveis, por exemplo, traz ganhos na saúde, evitando mortes por doenças associadas à poluição atmosférica, especialmente as respiratórias, aumentando a expectativa de vida, com reflexos positivos na economia.
Estudo recente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE, 2021) apontou que o uso de etanol evita “[…] 371 mortes ao ano, e a população tem sua expectativa de vida aumentada em 13 dias, desde o nascimento […]” na região metropolitana de São Paulo. Ainda no mesmo estudo, para o diesel B10 (contendo 10% de biodiesel), estimou-se que “[…] este programa evitou 244 mortes ao ano, e que a população deixou de perder 9 dias de vida, desde o nascimento […]”.
Ao evitar mortes e reduzir as despesas hospitalares incorridas pelas pessoas internadas com problemas de saúde associadas ao uso dos combustíveis fósseis, há um ganho econômico direto.
Segundo a EPE, para a região metropolitana de São Paulo, “[…] caso não houvesse o uso de etanol, o impacto na economia seria negativo em cerca de R$ 25 bilhões em relação ao cenário base. Por outro lado, um aumento de 10% no consumo de hidratado geraria impacto positivo adicional de aproximadamente R$ 2 bilhões […]”.
E ainda “[…] em comparação com um cenário em que não haveria adição de biodiesel (B0), ocorreria um impacto negativo de R$ 17 bilhões pela redução da expectativa de vida da população. Com a trajetória de B15, haveria um ganho de mais R$ 7,6 bilhões […]”.
Em escala global, considerando a meta do Acordo de Paris, de se manter o aumento da temperatura do planeta abaixo dos 2°C, um estudo publicado na Lancet Planet Health demonstrou que o retorno obtido em saúde é maior do que o valor dispendido para se alcançar as metas do Acordo, para variados cenários (Gráfico 3).
Estes estudos derrubam o mito de que investir em uma matriz de baixo carbono vai trazer prejuízo econômico.
Gráfico 3 – ganhos associados à mitigação das emissões de carbono fóssil em diferentes cenários (Fonte: traduzido de Markandya et al, 2018)
Ao reduzir-se as emissões de carbono via produção de bioenergia, tem-se o fomento de um mercado de créditos de carbono, a cereja do bolo. Mitigar emissões de carbono fóssil tem hoje valor agregado adicional, além daqueles já destacados em relação à geração de emprego, saúde e economia.
A sociedade percebeu que é urgente a caminhada rumo a uma matriz de energia de baixo carbono e os programas de descarbonização são ferramentas auxiliares neste sentido.
Os créditos de carbono trazem receita adicional aos produtores de energia limpa, incentivando maiores investimentos na área. Com mais investimentos, tem-se menos carbono na atmosfera, mais empregos, mais saúde, crescimento econômico.
O Brasil pode tirar grande proveito disso, exportando esses créditos, inclusive. Isso porque temos as condições favoráveis para maximizar a produção de bioenergéticos (etanol, biodiesel, HVO, bioQAV, biogás, entre outros) e já temos um excelente programa rodando para tal, que é o Renovabio.
Vale ressaltar que o Renovabio é uma ferramenta de mercado, que privilegia a eficiência e a produção de biocombustíveis de forma sustentável.
É necessário fortalecê-lo, pois o fortalecimento do programa traz ganhos diretos e indiretos para o país, mitiga emissões de carbono, incentiva os investimentos que se traduzem em emprego, renda e melhoria na saúde.
Rumo a um futuro melhor
Os próximos anos vão exigir um esforço muito grande dos agentes econômicos na geração de empregos, aliada à necessidade de se fazer uma transição energética. A boa notícia, em meio a angústia que tomou conta da sociedade, é que a bioenergia ajuda a unir essas duas necessidades.
Como foi apresentado ao longo deste artigo, fomentar investimentos em bioenergia é uma alternativa que mitiga as emissões de carbono, gera empregos, tem impactos positivos no PIB, na saúde pública e no meio ambiente. Exatamente o que o mundo e o Brasil precisam no futuro que nos aguarda.
Com condição de clima favorável, vasta extensão territorial e expertise, o Brasil tem total condição de liderar esta caminhada, a oportunidade está bem a nossa frente.
Admirável mundo verde, vamos nessa?
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