Pesquisadores fazem expedição para medir carbono armazenado na Amazônia
terça-feira, janeiro 19, 2021
Empunhando facões, pesquisadores se aventuraram na Amazônia, abrindo caminho na selva densa enquanto a temperatura do meio da manhã ultrapassava os 38°C. Encharcado de suor, os homens e mulheres do pequeno grupo serram e arrancam galhos de árvores. Eles perfuraram o solo e espalharam tinta nos troncos das árvores.
Isso é vandalismo em nome da ciência. Nessas árvores, a cerca de 90 km da capital de Rondônia, Porto Velho, os pesquisadores brasileiros buscam saber quanto de carbono pode ser armazenado em diferentes partes da maior floresta tropical do mundo, ajudando a retirar as emissões que fomentam a mudança climática.
“É importante porque nós estamos perdendo áreas de florestas no mundo”, disse Carlos Roberto Sanquetta, professor de engenharia florestal na Universidade Federal do Paraná. “Nós precisamos saber qual é o papel que as florestas exercem, tanto na absorção de carbono, quando são deixadas intactas, quanto na liberação, quando são destruídas."
Sanquetta liderou a expedição de pesquisa de uma semana em novembro, supervisionando uma equipe que incluiu um botânico, agrônomo, biólogo e vários outros engenheiros florestais para coletar amostras de vegetação - viva e morta - para análise.
É um trabalho rigoroso e elaborado, muitas vezes em condições úmidas e infestadas de insetos, envolvendo motosserras, pás e paquímetros.
“Não são cientistas de jaleco apenas dando aula para as pessoas”, afirmou Raoni Rajão, que é especialista em gestão ambiental na Universidade Federal de Minas Gerais e não está envolvido com a equipe de Sanquetta. "São pessoas muito esforçadas que colocam a mão na massa."
Abordagem holística
A equipe brasileira é apenas um contingente entre centenas de pesquisadores que buscam medir o carbono no complexo e ambientalmente crucial ecossistema da floresta amazônica, que se espalha por mais de 6 milhões de quilômetros quadrados em nove países.
Algumas pesquisas buscam apenas quantificar o carbono nas árvores, mas Sanquetta diz que a abordagem de sua equipe é holística, medindo o carbono na vegetação rasteira, no solo e em matéria vegetal em decomposição também.
Além disso, sua equipe observa além da floresta primária, examinando áreas reflorestadas para lançar uma nova luz sobre a quantidade de carbono que elas contêm - informações essenciais para incentivar os esforços de restauração.
O dióxido de carbono (CO2) é o mais prevalente dos gases de efeito estufa, que retém calor na atmosfera terrestre. As árvores absorvem dióxido de carbono da atmosfera e o armazenam como carbono, uma das maneiras mais baratas e fáceis de absorver o gás de efeito estufa.
O processo também funciona ao contrário, no entanto. Quando as árvores são cortadas ou queimadas - geralmente para dar lugar a plantações ou pastagens -, a madeira libera CO2 de volta à atmosfera.
“Cada vez que há desmatamento, é uma perda, uma emissão de gases de efeito estufa”, disse Sanquetta, que é membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, a principal autoridade mundial em ciência do clima.
Nas taxas de emissão atuais, as temperaturas globais devem subir cerca de 2,9ºC até 2100, de acordo com o consórcio sem fins lucrativos Climate Action Tracker, ultrapassando o limite de 1,5 a 2 graus necessário para evitar mudanças catastróficas no planeta.
A mudança climática eleva o nível do mar, intensifica desastres naturais e pode estimular a migração em massa de refugiados. O desmatamento na Amazônia acelerou durante o governo de Jair Bolsonaro. Desde que ele assumiu o cargo, em 2019, pelo menos 825 milhões de toneladas de CO2 foram liberadas por causa de desmatamento na região.
Isso é mais do que emitido por todos os carros de passageiros dos Estados Unidos em um ano. Em nota, o gabinete do vice-presidente Hamilton Mourão, que lidera a política do governo federal para a Amazônia, disse que o aumento do desmatamento é anterior à administração atual.
Também reforçou que o governo tem trabalhado diuturnamente para impedir a mineração ilegal e o tráfico de madeira. “Ainda não obtivemos o sucesso no grau desejado, mas poderia ter sido pior”, afirma o comunicado.
Medições meticulosas
A chave para entender e enfrentar a ameaça climática é trazer mais precisão às medições de carbono em florestas em declínio.
“Todo mundo quer essas informações”, disse Alexis Bastos, coordenador de projetos da instituição sem fins lucrativos Centro de Estudos Rioterra, uma organização brasileira que fornece apoio financeiro e especialistas à equipe de Sanquetta.
Hoje, existem cientistas medindo o carbono florestal em quase todos os continentes. Além da equipe de Sanquetta, por exemplo, a Rede Amazônica de Inventários Florestais, com seus mais de 200 cientistas parceiros, está tentando padronizar o carbono e outras medições, acumulando enormes quantidades de dados para “quantificar” a floresta.
O desafio é que há diferenças nas espécies pela Amazônia. "No Peru (sudoeste) versus Guiana (nordeste), não há praticamente nenhuma sobreposição de espécies, então são plantas completamente diferentes no mesmo clima", disse Oliver Phillips, coordenador da rede e ecologista tropical na Universidade de Leeds, no Reino Unido.
Os parceiros da rede usam parâmetros precisos para capturar os principais reservatórios de carbono, incluindo matéria de planta morta e solo. Por exemplo, se uma árvore está no limite de uma porção de terra, ela deve ser medida apenas se mais de 50% de suas raízes estiverem na terra.
Nenhuma equipe poderia esperar obter amostras suficientes da vasta floresta tropical para uma contagem exata do carbono abrigado pela Amazônia. É também um alvo móvel: a floresta da Amazônia, que varia de uma selva emaranhada a espaços mais abertos, está constantemente mudando, à medida que mais árvores são derrubadas e os esforços de restauração aceleram.
A equipe de Sanquetta iniciou sua atual linha de pesquisa em 2016, contando com o apoio financeiro e logístico do Rioterra, ele próprio com financiamento da Petrobras. Nesta época, Rioterra estava replantando áreas desmatadas da floresta.
A Petrobras disse à Reuters em um comunicado que vem trabalhando há anos para honrar seus compromissos de "responsabilidade social", o que, entre outras coisas, significa fornecer energia enquanto "supera os desafios da sustentabilidade".
Cada expedição de uma semana custa cerca de R$ 200 mil. Sanquetta afirmou que seu projeto não recebeu nenhum dinheiro diretamente da Petrobras. Quando o financiamento da petrolífera acabou, o Rioterra encontrou apoio do Fundo Amazônia, apoiado pelos governos do Brasil, Noruega e Alemanha.
Conclusões preliminares indicam que o plantio de uma mistura de espécies amazônicas é mais eficaz no sequestro de carbono do que permitir que a área cresça naturalmente.
Mas essas descobertas preliminares também sugerem que não há substituto para florestas intocadas: um hectare de floresta virgem em Rondônia contém em média 176 toneladas de carbono, de acordo com a análise de Sanquetta dos dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.
Em comparação, um hectare replantado de floresta após 10 anos contém cerca de 44 toneladas, e as fazendas de soja, uma média de apenas 2 toneladas.
Curando o planeta
Na selva, os integrantes da equipe de Sanquetta espantam abelhas, enquanto dissecam um terreno de 10 por 20 metros que está crescendo naturalmente há quase 10 anos, abandonado por um fazendeiro.
A equipe conta 19 árvores com troncos medindo pelo menos 15 centímetros de circunferência, um limiar acima do qual as árvores geralmente retêm muito mais carbono. Edilson Consuello de Oliveira, um botânico de 64 anos do vizinho Acre, envolve uma delas com uma fita métrica.
"Bellucia!", ele grita, identificando Bellucia grossularioides, uma árvore frutífera que é uma das que crescem mais rapidamente. Ele recita as medições e outro especialista faz as anotações.
Um biólogo prega marcadores numéricos em troncos de árvores. Enquanto isso, alguns do grupo estão cortando uma árvore com uma motosserra, tendo-a selecionado para "autópsia". O tronco é cortado em pedaços, as folhas removidas e ensacadas, e o toco escavado e pesado em uma balança pendurada em galhos acima.
“É destrutivo, mas só o fazemos em algumas árvores”, disse Sanquetta. Outro grupo enfia um equipamento motorizado de 1 metro no solo e puxa a terra de quatro profundidades diferentes. Outros medem a largura das plantas em decomposição com paquímetros e removem os detritos do solo.
As amostras foram levadas de volta ao laboratório, onde a equipe as secou e pesou, antes de incinerá-las em uma câmara de combustão que lhes permite medir a quantidade de carbono contida.
A equipe mediu 20 terrenos durante uma semana de trabalho em novembro. A meta final é de 100 lotes até o final de 2021. O trabalho oferece "uma forma de medir a saúde do planeta", disse Rajão, mas também "a rapidez com que o planeta pode ser curado".
Fonte: Revista Globo Rural
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