Pesquisadores da UFPR descobrem bactéria do mangue capaz de degradar celulose e sequenciam seu genoma
quarta-feira, junho 03, 2020
Desde 2016, o professor Luciano Huergo, do Setor Litoral e do Programa de Pós-Graduação em Ciências-Bioquímica, tem trabalhado na coleta, cultura e identificação das propriedades de bactérias de diversos ecossistemas. Com a participação de estudantes do curso de Gestão Ambiental UFPR Litoral, Maria Vanaina Gonçalves e Marcelo Conzentino, essa coleção de microrganismos está sendo testada para a verificação de atividades enzimáticas que elas possam vir a desenvolver.
A técnica no laboratório envolve a extração de material do solo e o isolamento dos microrganismos em um meio de cultura, para que se multipliquem rapidamente, formando colônias. “Solos em geral e solos de mangue são muito ricos em bactérias. O que fazemos é tentar identificar propriedades interessantes para elas”, explica Huergo.
No caso da Streptomyces S3, segundo o professor, tudo indica que seja ainda desconhecida da comunidade científica, pois não estava catalogada. Colocada para crescer em um meio que só tem celulose, ela demonstrou a propriedade de sintetizar proteínas úteis para a indústria rapidamente. Seu uso pode fazer, por exemplo, com que o bagaço da cana, subproduto no processo de produção do etanol, seja também transformado em combustível.
Atualmente, o principal gargalo na produção de etanol de segunda geração é exatamente a etapa de degradação de celulose. “O grupo de pesquisa agora busca identificar quais são as proteínas responsáveis pela degradação de celulose no genoma, assim será possível produzir estas proteínas em grande quantidade para degradar celulose. Futuramente esta pesquisa poderá ser aplicada para converter os restos de jardim ou o bagaço da cana-de-açúcar em biocombustíveis como etanol”, aponta Huergo. Outro composto degradado por essa bactéria é a quitina, um subproduto da carcinicultura e que pode ter mais valor após tratamento enzimático.
Bactérias do bem
O trabalho de sequenciamento genômico, indispensável para identificar quais proteínas são responsáveis por essa capacidade, foi realizado em conjunto com a equipe do professor Emanuel Maltempi de Souza, do Programa de Pós-Graduação em Ciências-Bioquímica, que tem atuado na caracterização de microrganismos capazes de beneficiar a agricultura. “Há bactérias que vivem no solo ou junto com as plantas e são benéficas para os organismos e as plantas. No decorrer da evolução, aprenderam a tirar vantagem e propiciar, por exemplo, uma absorção rápida de nutrientes”, explica.
Com relação a Streptomyces S3, o fato de ser um microrganismo descoberto no mangue da Guaratuba traz uma atenção especial a um ambiente pouco conhecido: o ambiente marinho. “A biodiversidade bacteriana nestes lugares é muito grande”, afirma o pesquisador. Ele destaca, ainda, que justamente por ser um ambiente pouco conhecido, há espaço para muitas perguntas científicas em torno da descoberta, não só relacionadas à biotecnologia e as potencialidades industriais.
“Existem perguntas biológicas que estão relacionadas a entender essa biodiversidade“, comenta. Compreender a microbiota do mangue, por exemplo, é uma das possibilidades. “É uma microbiota muito resiliente“, argumenta.
Sequenciamento
O sequenciamento genômico da Streptomyces S3, feito na UFPR e depositado em um banco de dados internacional, é um passo essencial para a pesquisa. Por meio desse procedimento, é possível descobrir quais proteínas estão codificadas na sequência de nucleotídeos, representados pelas letras A, T, C e G do genoma. Entre essas proteínas estão as enzimas responsáveis por degradar a celulose.
O trabalho da UFPR já concluiu, entre outras coisas, que o genoma da bactéria contém 10,988,816 pares dos nucleotídeos A, T, C e G e é capaz de produzir cerca de 10.000 proteínas diferentes, o que é considerado bastante complexo para uma bactéria.
“Identificando o gene que codifica a síntese dessa enzima é possível inseri-lo em um hospedeiro que a produz em grande quantidade”, explica o professor. “Ainda não testamos se ela é mais eficiente no processo enzimático, mas o genoma apresenta possibilidades”, completa.
Uma vez sequenciado o genoma, é possível identificar as enzimas promissoras às finalidades industriais, além de celulases. Com isso, conforme Maltempi, é possível construir clones: usar uma molécula de DNA como vetor, ligando-a ao gene produtor da enzima e inserindo-a em uma bactéria que produz a mesma enzima em grande quantidade.
A degradação ou o aproveitamento da celulose é uma grande questão para a ciência. De acordo com Maltempi, calcula-se que até 50% da biomassa seja composta por este carboidrato. “Se a gente não utilizar, isso acaba sendo um problema. Se tivermos a capacidade de usar as bactérias para essa finalidade, vamos aumentar o rendimento de combustível e diminuir a emissão de CO2, contribuindo para um sistema mais sustentável”.
Com colaboração da equipe de comunicação do Setor Litoral.
Fonte: Jornal O Fato Maringá
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