Mudanças climáticas podem gerar crise financeira sistêmica, alertam economistas
terça-feira, janeiro 21, 2020
Livro publicado pelo Banco de Compensações Internacionais alerta que eventos extremos podem ser irreversíveis e pede que autoridades econômicas coordenem ações.
BASILEIA, Suíça — As mudanças climáticas podem desencadear uma crise financeira sistêmica, ao menos que medidas sejam tomadas para conter os riscos, alerta um novo livro lançado nesta segunda-feira pelo Banco de Compensações Internacionais (Bank for International Settlements, ou BIS, considerado o banco central dos bancos centrais). E, sozinhos, os bancos centrais não poderão salvar o planeta do caos no clima, alertam os autores.
'Bancos centrais não irão salvar o mundo'
Em “Cisne Verde”, os analistas traçam um paralelo entre a teoria do Cisne Negro com o caos climático. Em obra publicada em 2007, Nassim Nicholas Taleb descreve que os eventos do cisne negro possuem três características: eles são inesperados e raros, fora das expectativas; seus impactos são amplos ou extremos; e eles só podem ser explicados após acontecerem. Exemplos são ataques terroristas, o surgimento de tecnologias disruptivas ou catástrofes naturais.
Os cisnes verdes, ou “cisnes negros climáticos”, podem ser encaixados nessa discrição. Os riscos se caracterizam pela incerteza e não-linearidade, suas chances de ocorrência não se refletem em dados do passado, e a possibilidade de valores extremos não pode ser descartada. Entretanto, existem algumas particularidades dos cisnes verdes. Apesar de imprevisíveis, existe um alto grau certeza de que os riscos irão se materializar; o potencial para reações em cadeia ambientais, geopolíticas, sociais e econômicas imprevisíveis; e consequências mais sérias que crises financeiras: as catástrofes climáticas são ameaças existenciais para a Humanidade.
— Cisnes verdes ou cisnes negros climáticos apresentam muitas características dos cisnes negros típicos — afirmou Luiz Awazu Pereira da Silva, vice-gerente geral do BIS e coautor do estudo, em entrevista coletiva, segundo a agência Bloomberg. — As abordagens tradicionais de gerenciamento de riscos, que consistem na extrapolação de dados históricos e hipóteses de distribuições normais, são em grande parte irrelevantes para avaliar riscos futuros relacionados com o clima.
O livro foi publicado na semana seguinte ao anúncio de que a última década foi a mais quente do planeta, com o registro de 19 dos 20 anos mais quentes da História. O número de eventos climáticos extremos quadruplicou nos últimos 40 anos, o que reforça a urgência no trato do tema. A elevação do nível do mar ameaça a existência de cidades costeiras, tempestades e secas mais brutais e frequentes tornam catástrofes o novo normal.
— Acho que estamos prestes a observar algo que poderá estar por trás da próxima crise financeira sistêmica — afirmou Pereira da Silva, segundo a Reuters.
No livro, os autores destacam que os bancos centrais possuem limitações para agir contra as mudanças climáticas. Contudo, se apenas aguardarem por ações de outras agências, eles poderão ser expostos ao risco de não serem capazes de manterem a estabilidade financeira das nações. Os cisnes verdes podem forçar a intervenção dos bancos centrais, com a compra de grandes quantidades de ativos desvalorizados para salvar a estabilidade do sistema financeiro, como já aconteceu no passado.
“Contudo, as fundações biofísicas de tal crise e seu potencial de impactos irreversíveis mostraria rapidamente os limites desta estratégia”, dizem os autores, no livro. “Por outro lado, bancos centrais não podem (e não devem) simplesmente substituir outros atores governamentais e privados em suas ações insuficientes”.
— Não existe bala de prata — alertou Pereira da Silva. — Os bancos centrais não irão salvar o mundo novamente.
Mas isso não significa inação. Os autores recomendam que bancos centrais atuem de forma proativa, contribuindo na coordenação com outros atores, promovendo a integração dos riscos relacionados com o clima na regulação dos mercados e no monitoramento da estabilidade financeira, inclusive com a adoção de novas abordagens na modelagem e de novas ferramentas analíticas que melhor dão conta das incertezas e da complexidade do tema. Eles podem adotar critérios sustentáveis nas suas políticas e, “o mais importante, os bancos centrais precisam coordenar suas ações com um conjunto mais amplo de medidas que devem ser implementadas por outros atores”.
“Essa tarefa de coordenação é urgente, dado que os riscos relacionados com o clima continuam aumentando e os impactos negativos podem se tornar irreversíveis”, dizem os autores. “Existe um conjunto de ações que deve ser consistentemente implementado. As mais óbvias são a necessidade de precificar o carbono e a divulgação sistemática de riscos relacionados ao clima pelo setor privado”.
“A dura realidade é que estamos perdendo a luta contra a mudança climática”, escreveu o governador do Banco Central francês, François Villeroy de Galhau, no prefácio do livro. “Se os bancos centrais querem preservar a estabilidade financeira na era das mudanças climáticas, é de seu interesse ajudar a mobilizar todas as forças necessárias para vencer essa batalha”.
Fonte: O Globo
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