Mudanças climáticas já afetam a saúde das novas gerações
quinta-feira, janeiro 02, 2020
Doenças infecciosas, enchentes,
incêndios florestais e escassez de alimentos pintam futuro sombrio para uma
criança nascida hoje caso o ritmo de emissão de carbono continue nos níveis
atuais
Ninguém mais duvida que as mudanças climáticas trazem consequências
catastróficas para o meio ambiente. Agora, um estudo elaborado por 120
especialistas de diferentes países estima quais são os efeitos dessas mudanças
para a saúde dos seres humanos, e mostra que um grupo é especialmente atingido:
as crianças.
Publicado
na revista científica The Lancet, o relatório Countdown
on Health and Climate Change 2019 (Contagem Regressiva sobre
Saúde e Mudanças Climáticas), lançado recentemente, aponta que uma criança
nascida hoje terá prejuízos ao longo de toda a vida caso o ritmo de emissão de
carbono continue nos níveis atuais. Com sistema imunológico ainda em
desenvolvimento, elas são mais vulneráveis aos impactos.
O estudo
também teve colaboração de pesquisadores brasileiros. Da USP, são coautores o
professor Paulo Saldiva, da Faculdade de Medicina (FMUSP), e Carlos Nobre,
presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas e pesquisador do
Instituto de Ciências Avançadas (IEA) da USP.
Nascer hoje no Brasil
Além do relatório geral, o estudo
também levantou dados específicos de alguns países, de acordo com o impacto
para cada região. No caso do Brasil, por exemplo, as mudanças climáticas tornam
o ambiente mais propício para a proliferação da dengue e de outras doenças
infecciosas, que afetam mais as crianças. Desde os anos 1950, os mosquitos têm
aumentada em 11% sua capacidade de transmitir dengue no país.
Outro
efeito diz respeito à alimentação. Com a elevação da temperatura média do
planeta, a produção agrícola é diretamente atingida. No Brasil, o potencial
médio de produtividade da soja caiu mais de 6% desde a década de 60. Dessa
forma, os bebês estarão mais vulneráveis ao aumento do preço dos alimentos e à
desnutrição .
Durante a
adolescência, o impacto da poluição do ar piorará. O fornecimento de energia
derivada do carvão triplicou no Brasil nos últimos 40 anos e os níveis
perigosos de poluição atmosférica ao ar livre contribuíram para 24 mil mortes
prematuras em 2016.
Eventos
climáticos extremos, como enchentes e tufões, se intensificarão na idade adulta
de quem nasce hoje. No Brasil, 1,6 milhão de pessoas foram expostas a incêndios
florestais desde 2001/2004, e em todo o mundo houve um aumento recorde de 220
milhões de pessoas acima de 65 anos expostas a ondas de calor em 2018 em
comparação com o ano 2000. Em relação a 2017, a alta foi de 63 milhões.
Para que
uma criança nascida hoje cresça em um mundo que atingirá emissões zero até seu
31º aniversário, em 2050, é preciso seguir as diretrizes do Acordo de Paris e
limitar o aquecimento a um nível bem abaixo de 2°C. Na avaliação dos autores,
só isso pode garantir um futuro mais saudável para as próximas gerações.
O que é
mais sustentável também é mais saudável
Para o professor Saldiva, o
relatório é importante porque destaca as consequências diretas para o ser
humano, chamando maior atenção da sociedade e das lideranças políticas para a
necessidade de políticas ambientais mais efetivas. “É possível divergir do
ponto de vista político e econômico, mas existem poucos argumentos para se
contrapor à saúde”, coloca.
Conforme
ele explica, existe uma diferença entre Gases de Efeito Estufa (GEE), como
metano e gás carbônico, e os chamados poluentes locais, como monóxido de
carbono, fuligem, hidrocarbonetos e outros. Os GEE têm baixa toxicidade local,
mas longa permanência na atmosfera, e por isso influenciam no aquecimento
global. Já os poluentes locais têm curta permanência na atmosfera, mas causam
efeitos diretos à saúde.
A questão
central, aponta Saldiva, é que tanto os GEE quanto os poluentes locais têm a
mesma origem de emissão. Um dos principais argumentos levantados para barrar a
adoção de políticas que combatam as mudanças climáticas é o ônus financeiro que
elas trazem, porém, quando estimados o custos dos problemas de saúde causados
pela poluição, fica evidente que a economia também seria beneficiada por
políticas favoráveis ao meio ambiente.
“Os
benefícios da redução dos poluentes locais são imediatos e ao mesmo combatem o
aquecimento global. Ou seja, o que é mais sustentável também é mais saudável”,
diz o professor.
Dentre as
principais recomendações feitas no estudo estão o investimento em transporte
público de baixa emissão de carbono, migração para fontes de energia
sustentáveis e uso de biocombustível, recomposição das áreas verdes no espaço
urbano e, sobretudo, o comprometimento com as metas firmadas no Acordo de
Paris.
Fonte: Jornal da USP
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