Objetos feitos a partir de produtos de origem no agro vêm ganhando
espaço no campo da bioeconomia – e até da medicina
A preocupação da designer Erika Cezarini Cardoso em relação ao descarte
dos objetos feitos de plástico utilizados no dia a dia de casa deu origem, em
1999, a um projeto pioneiro: o uso de fécula de mandioca para a produção de
utensílios domésticos biodegradáveis.
Após muitas pesquisas, ela encontrou respostas no Centro de Raízes e
Amidos Tropicais, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), onde pesquisadores
iniciavam estudos sobre a possibilidade de a mandioca ser matéria-prima para a
confecção de objetos diversos.
Foi assim que surgiu a Oka Bioembalagens, empresa com sede em Botucatu
(SP), que atualmente comercializa, por mês, em média, 250 mil unidades de
copos, taças, colheres e potes feitos de fécula de mandioca. Por terem sua
origem na agricultura, todos os itens são comestíveis, não só por humanos, mas
também por cachorros e peixes, se consumidos como complemento à ração. Os
produtos ainda podem se tornar adubo, pois se decompõem em poucos dias no solo.
A Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (Embrapa) estima que a fécula de mandioca, também
conhecida como goma ou polvilho doce, que se caracteriza por um pó branco, sem
cheiro e sem sabor, tenha mais de 800 tipos de uso. Sua maior utilização ocorre
na indústria, especialmente na de tecidos, papéis, colas e tintas, além da
substituição dos derivados de petróleo na produção de embalagens biodegradáveis.
Comedouro feito de mamona (Foto: Divulgação) |
BIOMASSA
Apesar de
ser crescente, a produção e comercialização de biomateriais no Brasil ainda não
foi dimensionada, em razão de sua amplitude, já que envolve toda produção
animal e vegetal, conforme explica o pesquisador da Embrapa Agroenergia, Bruno
Laviola. Para suprir essa lacuna, a Embrapa decidiu desenvolver, em parceria
com a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), um projeto para
mapear a biomassa em todo o país.
O projeto piloto começou na região de Sorriso (MT). O estudo de oito meses
mapeou toda a biomassa (bioprodutos, resíduos e efluentes) disponível no
município, como os 22 mil litros de etanol de milho produzidos por dia.
Quando
estiver concluído, o estudo ficará disponível para subsidiar o setor produtivo,
especialmente as agroindústrias, que, com informações sobre a localização dos
insumos, poderão se posicionar de forma mais estratégica em cada local.
Copo feito a partir da fécula de mandioca (Foto: Divulgação) |
De acordo com o chefe-adjunto de transferência de tecnologia da Embrapa Agroenergia, Alexandre Alonso Alves, uma vez que o mercado de biomassa se consolide, haverá ambiente propício para o avanço da bioeconomia. “Não estamos falando apenas de combustíveis, mas também de produtos. Teremos espaço para aumentar a produção e mapear cada vez mais aquilo que temos disponível”, afirma.
Nas últimas décadas, estudos para
utilização da matéria orgânica nas mais diferentes esferas vêm ganhando
destaque. É o caso de uma descoberta feita nos anos 1990 pelo professor
aposentado Gilberto Orivaldo Chierice, do Instituto de Química da Universidade
de São Paulo (USP), em São Carlos, que até hoje transforma a vida de pessoas
vítimas de traumas causados por acidentes.
Ele desenvolveu um polímero,
material semelhante ao plástico, a partir do óleo de mamona que, por causa de
sua porosidade, adere à estrutura óssea com o passar do tempo. O material
biocompatível, isto é, que não provoca rejeições no corpo, atualmente é também
usado por cirurgiões dentistas no tratamento de traumas nos ossos da região da
face.
Um dos primeiros a utilizar o polímero de mamona para reconstrução óssea facial foi o cirurgião buco-maxilo-facial Renato Marano Rodrigues, de Vitória (ES). Ele defendeu sua tese de doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), por meio da qual comparou o uso de dois materiais biocompatíveis consagrados pela medicina (titânio e polietileno poroso de alta densidade) com o originado da mamona.
Porta-ovos fabricados com a fécula de mandioca (Foto: Divulgação) |
De acordo com o profissional, os
resultados obtidos com o polímero da planta foram satisfatórios. “Os ossos da
face são finos e difíceis de serem reconstruídos. Os biomateriais, como o de
mamona, são uma alternativa ao tratamento clássico. O diferencial da mamona é
que se trata de um produto acessível, nacional e, portanto, com custos mais
baixos. A grande maioria dos materiais que são usados na reconstrução óssea são
importados e de custo mais alto. Por esse motivo, a mamona contribui para o
acesso mais rápido do paciente ao tratamento que ele precisa”, explica.
Desde que foi descoberto, o
polímero de mamona vem sendo usado em procedimentos cirúrgicos da medicina
ortopédica, como correções de traumas da coluna. A composição química da planta
é o que explica a aceitação do material no corpo humano, uma vez que sua
estrutura molecular possui gorduras existentes no organismo do homem e faz com
que as células não interpretem a resina da planta como um corpo estranho.
LINHA PET
A exploração comercial do
potencial da mamona ganhou espaço até mesmo no mercado de produtos voltados a
cães e gatos. Lançada em 2015, a marca We Step Clean inovou ao criar comedouros
fabricados a partir da resina de óleo da mamona.
O biobowl, como é chamado o
comedouro dos pets, é biodegradável e atóxico. O produto não possui nenhum
componente tóxico para os animais e se decompõe rapidamente no meio ambiente,
sem deixar resíduos.
Eduardo Bertasso,
sócio-proprietário da empresa, elenca a destinação final como fator
determinante para a venda de comedouros sustentáveis. Segundo ele, a legislação
que trata dos resíduos sólidos se torna cada vez mais rígida em prol do
descarte correto dos diversos materiais.
“Nossa logística, diferente da
dos outros, é reversa. Não precisa de destinação. Nosso produto, ao invés de
poluir, pode ser descartado no quintal, onde irá se decompor e ainda deixará o
solo rico em nutrientes”, afirma Eduardo.
Fonte: Revista Globo Rural
0 comentários
Agradecemos seu comentário! Volte sempre :)