Como gerar dois milhões de empregos em dez anos?
segunda-feira, agosto 26, 2019
Canteiro de mudas para a recuperação de vegetação nativa em Guariroba, no Mato Grosso do Sul. Foto Maria Luciana Zequim |
A empregabilidade é um dos ganhos associados à recuperação da mata nativa, afirmam pesquisadores brasileiros
Em cenários de desemprego em alta e de agravamento dos problemas ambientais no Brasil, uma publicação produzida por 45 pesquisadores de 25 instituições sinaliza que é possível gerar dois milhões de empregos, restaurando 12 milhões de hectares de vegetação nativa, até 2030. Essa equação também permite conciliar o aumento de produtividade agrícola e de conservação da biodiversidade com a redução de emissões de carbono no país. As perspectivas econômicas e socioambientais positivas fazem parte do relatório temático Restauração de Paisagens e Ecossistemas, cujo sumário para tomadores de decisão foi lançado nesta sexta-feira, 23 de agosto, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) e pelo Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS).
Os coordenadores do documento são vinculados à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), à Universidade de São Paulo (USP), ao Centro de Ciências da Conservação e Sustentabilidade do Rio (CSRio) e ao IIS. Um deles, o biólogo Ricardo Ribeiro Rodrigues, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), ressalta que o relatório foi construído desde o início visando à sustentação de política pública no Brasil. “Usamos o conhecimento disponível para responder às principais demandas da sociedade nesse tema, além de propormos soluções que são totalmente possíveis de serem aplicadas pelos tomadores de decisão, pois são propostas práticas, com sustentação científica, mas pensadas de forma aplicada e colocadas numa linguagem também acessível aos interessados”, afirma.
A implementação de políticas públicas é, portanto, um caminho fundamental para que o país consiga alcançar os resultados sinalizados pelo estudo. Optando por essa estratégia, dentre os inúmeros aspectos positivos indicados pelo documento, o país conseguirá cumprir a meta de redução em 37% das emissões de gases de efeito estufa, até 2025 (comparadas aos níveis de 2005), conforme indicado na Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês). Esse é o documento que expressa os compromissos para o equilíbrio climático assumidos no âmbito da Convenção do Clima pelos países signatários.
Muda de angico germinando em uma área de reflorestamento. Foto Letícia Garcia |
Segundo o relatório, com a restauração de 12 milhões de hectares de vegetação nativa, até 2030, o Brasil poderá sequestrar 1,39 Mt de CO2 (dióxido de carbono) da atmosfera. Para isso, o dever de casa envolve a participação de dois elos fundamentais para a economia brasileira. O setor florestal que precisará cumprir a Lei de Proteção da Vegetação Nativa (alterou o Código Florestal, em 2012) e o setor agrícola que, com o fortalecimento do Plano de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (Plano ABC), contribuiria para a sustentabilidade dessa atividade. Esse esforço ainda permitiria “a recuperação adicional de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas e o incremento de 5 milhões de hectares de sistemas de integração lavoura-pecuária-florestas (iLPF), ambos até 2030”, ressalta o documento.
O cumprimento dessas diretrizes para a restauração de 12 milhões de hectares de vegetação nativa contribuiria para gerar de 112 mil e 191 mil empregos anuais, até 2030. São estimados 200 empregos diretos gerados a cada 1.000 hectares em restauração com intervenção humana. Isso envolve atividades como coleta de sementes, produção de mudas, plantio e manutenção.
É possível conciliar recuperação e produção
O relatório sinaliza que o esforço envolvendo a recuperação de 12 milhões de hectares de vegetação nativa nas propriedades rurais contribuiria, por exemplo, para que na Amazônia fosse possível ampliar a produtividade agrícola de 46% para 63-75%, em 15 anos. Tudo isso com o compromisso de desmatamento ilegal zero.
Por sua vez, o Cerrado sairia de um nível de produtividade agrícola atual de 35% para 65% do seu potencial sustentável, até 2050, também focado na meta de zerar o desmatamento ilegal. O mesmo esforço permitiria um aumento de 24% para 30-34% na Mata Atlântica.
A experiência do projeto Pecuária Verde, desenvolvido pelo Sindicato dos Produtores Rurais do município de Paragominas (PA), é mencionada como um exemplo que, segundo o relatório, ilustra as vantagens da regularização ambiental (no âmbito do Código Florestal que regula as áreas das propriedades que não podem ser desmatadas denominadas de Reserva Legal) para o aumento da produtividade agrícola. “Em apenas quatro anos, propriedades de pecuária irregulares ambientalmente e de baixa produtividade regularizaram suas exigências ambientais legais e aumentaram a produtividade em quatro vezes”.
Os pesquisadores estimam que zerando um débito de 5 milhões de hectares de Reserva Legal na Mata Atlântica, por meio da recuperação florestal, é possível evitar até 26% de extinção da biodiversidade, o que representa 2.864 espécies de plantas e animais, além de sequestrar 1 bilhão de toneladas de CO2 equivalente.
Algodão-do-mato crescendo na Caatinga. Foto Gislene Ganade |
Ainda de acordo com o relatório lançado, os esforços de restauração da vegetação nativa no Brasil são cruciais para enfrentar os cenários de crise climática, associados à tendência de redução do volume de chuvas em algumas regiões do país. “Modelos climáticos projetam que, em 50 anos, a Amazônia, a Caatinga e porções da Mata Atlântica poderão ter sua temperatura média anual aumentada em 3,5°C e sua precipitação anual reduzida em 10%”.
O relatório também ressalta que há exemplos positivos no Brasil, onde “especialistas têm auxiliado na construção do arcabouço técnico-científico de programas de restauração ecológica”. Essas atividades têm sido impulsionadas, especialmente, por intermédio de movimentos como a Rede Brasileira de Restauração Ecológica.
Complementarmente, são mencionadas como experiências exitosas as atividades promovidas por movimentos e coletivos sociais inspirados por “mecanismos de governança, comunicação e articulação; sistemas de monitoramento; e estratégias para influenciar políticas públicas”. Dentre os exemplos guiados por essas diretrizes são destacados o Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, a Aliança pela Restauração da Amazônia e a Rede de Sementes do Xingu. “Esses movimentos têm dado atenção especial à questão da diversidade de gênero e raça, já que ações de restauração são uma oportunidade de inclusão e redução das desigualdades sociais”, afirma o documento.
Em cenários de crise climática, o tema discutido pelos pesquisadores brasileiros conquista importância central. Não por acaso a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou, em março deste ano, que o período de 2021 a 2030 será a Década sobre Restauração de Ecossistemas. Com grande enfoque na contribuição da agricultura e de mudança dos usos do solo para as emissões de gases de efeito estufa, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) lançou, há duas semanas, um relatório especial no qual chamou a atenção da sociedade global para a necessidade de recuperação de vegetação nativa e de combate ao desmatamento. Esse esforço será essencial para garantir a segurança alimentar, a proteção da biodiversidade e o bem-estar humano no futuro, segundo os cientistas que produziram o documento.
As barreiras para ganhos de escala em restauração
Para outro coordenador do relatório, o biólogo Renato Crouzeilles, professor do Programa de Pós-Graduação em Ecologia da UFRJ e associado ao IIS, há algumas barreiras que ainda limitam os ganhos de escala em restauração no Brasil. “Falta o entendimento dos tomadores de decisão de que a restauração não compete com áreas produtivas”. Ele elenca também que “a redução do seu custo de implementação é viável com técnicas como a condução da regeneração natural em áreas com condições ecológicas e sociais favoráveis” e que é preciso demonstrar a sua viabilidade econômica com espécies nativas, além de defender o aumento de assistência técnica no campo e de linhas de financiamento para essa atividade.
Apesar de existirem iniciativas importantes destacadas como exemplos no relatório, o professor Ricardo Rodrigues reforça as ponderações de que ainda não foi possível avançar em termos de aumento da escala dos projetos de restauração florestal no Brasil por falta de políticas ambientais e agrícolas adequadas. “Nosso principal problema é que três quartos de nossa área agrícola são de pecuária de baixa produtividade”, observa. Segundo o pesquisador, embora essa situação seja conhecida, há pelo menos 15 anos, ainda não se desenvolveu no Brasil um programa público destinado à atividade, que assegurasse tanto financiamento adequado como orientação técnica consistente. O problema ocorre, por exemplo, em relação à interface entre polinização de culturas agrícolas e aumento da produtividade. “Isso nunca foi repassado ao produtor como política pública”, acrescenta.
Conforme destacado no relatório, a restauração de floresta nativa contribui amplamente para a polinização. Esse processo natural assegurado pela presença de abelhas e outros insetos é fundamental à agricultura brasileira, tendo em vista que aproximadamente 40% das culturas agrícolas do país, “têm redução de produção de 40-100% na ausência de polinizadores e, em outros 45% das culturas, a diminuição está entre 1-40%”.
Como avançar em cenário de retrocessos socioambientais
“Fica claro hoje que para avançarmos nessas políticas não poderemos contar com o executivo, assim precisamos de articulação dentro do próprio setor e talvez com o legislativo”, afirma o professor Ricardo Rodrigues. Para ele, o atual cenário político-institucional que promove retrocessos na agenda socioambiental não é interessante “nem ao bom agronegócio, pois dificulta muito a negociação de exportação e deveria dificultar também a venda interna, se conscientizarmos a população brasileira”, já que “não precisamos e não deveríamos consumir internamente produtos que não são aceitos no exterior”.
Para Rodrigues, a superação de impasses gerados por uma agenda pública marcada por retrocessos passa pela necessidade de fortalecimento de articulações na sociedade para gerar demandas com enfoque na questão ambiental, incluindo, nesse processo, por exemplo, exigências de produtos livres de contaminação que poderiam ser asseguradas pela certificação. Segundo ele, diante de avanços nesse sentido, os setores produtivos, deveriam responder a essas demandas para conseguir comercializar seus produtos com maior facilidade e até melhores preços.
Para o pesquisador, o agricultor que mantivesse florestas conservadas na sua propriedade deveria ser beneficiado de alguma forma já que está colaborando com o aumento de produtividade regional (principalmente para culturas como café, laranja e feijão). Como exemplos de benefícios, ele menciona o destaque em rótulo no produto e a facilitação de acesso a crédito e a licenças ambientais. “Temos certificação ambiental para pouquíssimas culturas brasileiras e só temos isso quando é exigência do mercado internacional, como o selo FSC para plantios florestais, ou o café para o mercado europeu, mas não como política agrícola,” argumenta.
Segundo ainda sugere, o selo ambiental deveria especificar que tais produtos foram produzidos “em paisagem de elevada diversidade natural”, como diferencial de origem e cultivo. “Mas poderíamos ter isso para o etanol na bomba do posto, para a carne e a laranja no supermercado. Imagina que interessante se fossemos abastecer apenas em postos com etanol de usinas que promovem a regularização ambiental”, exemplifica.
Rodrigues conclui que “os setores independem do governo para responderem a essas demandas e elas são muito baratas com as novas tecnologias e, principalmente, quando comparadas com os ganhos que podem promover em termos de abertura de mercado e diferencial competitivo.”
Fonte: Projeto Colabora
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