Ainda que desafios à ciência cresçam, brasileiros estão mais interessados no assunto
quinta-feira, julho 25, 2019
Paulo Gandolfi, diretor de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) da 3M, diz que Índice Estado da Ciência mostra que o tema tem mais força no país do que no resto do mundo, apesar do cenário adverso. |
Ciência não é um assunto que tem muita importância para os brasileiros, certo? Errado: o país tem mais confiança e interesse no tema do que o detectado globalmente, de acordo com a segunda edição do Índice Anual do Estado da Ciência (State of Science Index – SOSI), medido pela 3M a partir de pesquisa com 14 mil pessoas em todo o mundo, tanto em economias maduras quanto em nações em desenvolvimento. Dos entrevistados no Brasil, 82% disseram que o assunto é importante para a sociedade, contra uma taxa global bem menor, de 60%.
Ao tratar de ciência, o estudo se refere à “criação, descoberta, reorganização e disseminação de conhecimento sobre as naturezas físicas, biológicas e sociais”, conforme define Paulo Gandolfi, diretor de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) da 3M no Brasil. Em resumo, é o processo de buscar conhecimento sobre o mundo e o seu funcionamento por um caminho lógico, de observação e experimentação.
Com este olhar, o executivo destaca que o SOSI é o primeiro estudo que se propõe a entender globalmente qual é a imagem, o impacto e as expectativas sobre a ciência por pessoas que não são especialistas no tema. É a ciência aplicada à vida, como a própria assinatura da organização já entrega.
“Para nós é um assunto essencial. Somos uma companhia que trabalha para melhorar a vida das pessoas a partir de soluções científicas”
Entre as boas notícias do estudo deste ano está o fato de que a boa impressão das pessoas sobre o tema apareceu em todas as áreas: segundo a maioria dos brasileiros, a ciência tem impacto na comunidade em que vivem, no dia a dia e, ainda, na vida em família. Na comparação com o índice do ano passado, houve evolução em várias frentes nos indicadores locais. No estudo atual só 19% das pessoas disseram que ciência é um assunto chato, contra 26% em 2018.
Uma parcela maior de brasileiros também admite que gostaria de saber mais sobre o tema e indicam com mais frequência que ter um conhecimento básico do assunto é importante a qualquer pessoa, independentemente da profissão. Se pudessem voltar no tempo, 63% dos entrevistados no país afirmam que investiriam em uma carreira na área científica, enquanto o índice global é de 58%.
Curiosamente o interesse dos brasileiros em ciência ganha força justamente em um momento em que o cenário fica ainda mais desafiador para a área, com o contigenciamento anunciado pelo Ministério da Educação em parte das verbas das Universidades federais, que tem impacto na pesquisa científica do país, além do congelamento de parte do orçamento do Ministério das Ciências e Tecnologias (MCTIC). Gandolfi avalia que o papel das empresas ganha ainda mais importância no novo contexto.
“No Brasil o desenvolvimento científico ainda está muito nas mãos das escolas, universidades e institutos. Um grupo seleto de empresas também investe na área, como a 3M, e esta é uma responsabilidade que fica maior diante dos desafios”
A organização investe anualmente 4% de seu faturamento em inovação. O executivo avalia que, apesar do país contar com uma série de mecanismos de incentivo à inovação, como a Lei do Bem, para fomentar o desenvolvimento científico de forma consistente, é necessário aproximar a academia das empresas. “Hoje ainda temos muita ciência nas universidades concentrada em coisas que não viram inovação nas indústrias. A geração de conhecimento científico precisa estar mais próximo da necessidade das empresas para que se transformem em soluções reais”, diz.
Segundo apurou o SOSI, 85% dos entrevistados localmente acreditam que os outros países dão mais valor à ciência e 74% entendem que o Brasil está ficando para trás no assunto – índice bem maior do que os 44% da média global. Por aqui também há convicção maior de que o governo deveria se responsabilizar por financiar a ciência.
Globalmente está em ascensão um certo ceticismo acerca da ciência, contexto que cria terreno fértil para a propagação de boatos como a Terra plana, o movimento que defende que as vacinas propagam doenças, não a cura, e ainda o criacionismo, que aponta que o planeta existe há apenas 6 mil anos, não há cinco bilhões. Um tanto quanto paradoxal, já que a ciência trabalha com fatos, não com teorias em que se pode crer ou descrer, e este clima cético foi detectado no estudo da 3M.
A pesquisa apurou que, globalmente, 35% das pessoas se dizem céticas acerca da área – o índice era de 32% no ano passado. O aumento da desconfiança também foi percebido no Brasil, que apresentou porcentual de ceticismo ainda maior, de 39%. Gandolfi avalia que o remédio para reverter este cenário é investir na comunicação, com a comunidade científica mais aberta a debater suas descobertas com a sociedade, ampliando o alcance das informações.
“Estes casos de contestações não-científicas a assuntos científicos devem ser acolhidos por especialistas capazes de falar de forma acessível, apresentar fatos, conversar com a sociedade”
Ele prossegue: “A parte bonita da ciência é que é uma área que evolui justamente com base na contestação, mas para refutar algo ainda precisamos nos basear em conceitos científicos”. Uma das constatações do estudo da 3M que pode explicar este ambiente um tanto quanto hostil à área é que 50% dos brasileiros admitem que só acreditam na ciência quando ela está alinhada às suas crenças pessoais – uma lógica que reproduz as bolhas criadas nas redes sociais.
Os brasileiros são conhecidos por adotarem rapidamente a ciência no dia a dia, aquela que está nas coisas de uso cotidiano, como a tecnologia dos smartphones. Apesar disso, o SOSI mostrou que há um limite para o uso desenfreado das novas soluções localmente e que o contato humano segue mais valioso: só 18% das pessoas entrevistadas no país disseram que, se precisassem escolher entre sexo e o seu smartphone, ficariam com a segunda opção. Saiba que o índice global para a pergunta saia-justa foi mais alto, de 28%.
Apesar do vício local em redes sociais, fatia de 87% dos brasileiros disseram preferir fazer cinco novos amigos a ganhar 5 mil seguidores on-line. Também é maior no país o índice de pessoas que se dizem mais assustadas do que empolgadas com alguns saltos tecnológicos. Os carros autônomos, capazes de rodar sem a necessidade de motorista, por exemplo, causam receio em 54% das pessoas – no resto do mundo, o número é de 47%. A demanda, no fim das contas, é de que o avanço científico siga em curso, mas desde que contribua para melhorar as relações humanas.
Fonte: Projeto Draft
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