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Para travar a degradação ambiental e as alterações climáticas não basta alterar a dieta alimentar, se continuarmos a queimar combustíveis fósseis para produzir energia, a deslocarmos-nos sobretudo em automóveis particulares com motor de combustão interna, a desperdiçar e a consumir em excesso de tudo: comida, roupas, equipamentos elétricos e eletrônicos, e por aí fora.
A campanha internacional lançada esta quarta-feira, cujo rosto é a ativista californiana de 12 anos Genesis Butler, incentiva as pessoas – a começar pelo chefe da Igreja católica, a quem escreve uma carta aberta – a tornarem-se veganas para travar a degradação ambiental e as alterações climáticas. O apelo suscita uma série de questões. Mas, em inglês, há uma expressão que, na tradução à letra para português, é “alimento para o pensamento”, e que na prática quer dizer “dar que pensar”. A carta de Genesis tem esse mérito.
Para alguém que acompanha a área do ambiente, a ideia de que nos países ricos será preciso reduzir drasticamente o consumo de carne, sobretudo vermelha, e de laticínios, para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e travar o perigoso aumento da temperatura média do planeta, não é nova.
São conhecidos há muito os efeitos negativos da produção intensiva de carne e laticínios no sistema climático, devido às emissões de metano com origem no sistema digestivo do gado, e também às emissões de dióxido de carbono relacionadas com a desflorestação para pasto ou para cultivo de plantas para rações para o gado. E nos últimos anos, têm-se sucedido estudos científicos que analisam e projetam o crescente impacto ambiental da produção de alimentos, num planeta que pode alcançar 10 mil milhões de habitantes em meados deste século.
A problemática das alterações climáticas, com todos os impactos que terá (e já está a ter) na vida das pessoas, não é apenas uma matéria de relevante interesse público; é talvez a mais importante história que o jornalismo tem o dever de contar na atualidade. Mas, como todos os grandes problemas globais, esta é uma história complexa, multifacetada, e não se conta facilmente em três parágrafos de texto ou dois minutos de televisão. Nem se resolve com uma medida isolada.
Quando falamos em alterações climáticas antropogênicas, falamos no aumento da concentração na atmosfera terrestre de gases com efeito de estufa com origem nas atividades humanas: sobretudo produção de energia, transportes, agricultura e pecuária. A carta de Genesis Butler ao Papa centra-se nesta última.
Mas, se duas das questões levantadas na carta – os impactos ambientais da pecuária e os efeitos do consumo excessivo de carne na saúde – estão na esfera da ciência, e das políticas públicas, a terceira questão que Genesis suscita é de ordem ético-filosófica. Devemos usar os animais, ainda por cima causando-lhes sofrimento, para benefício dos humanos?
A questão é legítima e faz sentido abordá-la porque a discussão existe na sociedade atual e irá certamente aprofundar-se. Mas a resposta é pessoal e há que não confundir os planos, e sobretudo, não abusar do argumento da proteção do ambiente como ferramenta de marketing para a defesa da causa animalista, exagerando a capacidade regeneradora do veganismo em relação aos danos que as atividades humanas causaram até agora.
Sim, cientistas e ambientalistas têm apontado a importância de reduzir globalmente a produção e o consumo de carne e laticínios, para diminuir a degradação ambiental e as emissões de gases com efeito de estufa. Mas também alertam para que a criação de animais não é toda igual; há vários modos de produção, e o modo tradicional extensivo tem menor impacto do que o método intensivo com animais estabulados. No caso dos pequenos ruminantes, eles também podem desempenhar um papel importante na redução de matos e na prevenção de incêndios em países como Portugal ou estados como a Califórnia nos EUA, onde a tendência é para períodos mais secos no contexto das alterações climáticas que já estamos a viver.
Não chega alterar a dieta alimentar, e não chegará também fazermos a transição energética para as energias limpas, se continuarmos a extrair e desperdiçar recursos naturais como se fossem infinitos, e a consumir em excesso de tudo: comida, roupas, equipamentos elétricos e eletrônicos, e por ai fora.
Pelo que já se sabe a crise climática e a perda de biodiversidade não serão travadas sem alterações profundas não só na forma como produzimos e consumimos alimentos, mas também alterações na forma como produzimos e consumimos energia, nos deslocamos, construímos casas, planeamos o território, enfim... sem alterações profundas no atual modelo de desenvolvimento econômico e social. E esse novo modelo de desenvolvimento terá necessariamente de ser baseado numa relação mais equilibrada da sociedade humana com a natureza de que fazemos parte.
Fonte: SIC Notícias (por Carla Castelo) - Portugal
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