A FAO divulgou hoje (16/09) o documento “The State of Agricultural Commodity Markets”, o qual tem como principal objetivo discutir a complexa interação entre o comércio internacional de produtos agropecuários, a segurança alimentar e as alterações climáticas.
Em resumo, o documento reafirma o fato de que as alterações climáticas serão responsáveis por mudanças importantes nos sistemas e geografias de produção de alimentos, trazendo novos desafios para a segurança alimentar. Isto porque se estima que os impactos mais relevantes das alterações climáticas ocorrerão nos países de baixa latitude – países de clima tropical, essencialmente – onde atualmente já se verifica o maior número de pessoas cronicamente subnutridas.
Segundo um outro relatório lançado na semana passada pela mesma FAO – The State of Food Security and Nutrition in 2018 – aproximadamente 80% das 821 milhões de pessoas cronicamente subnutridas do mundo vivem em países de clima majoritariamente tropical, com destaque para as sub-regiões África Subsaariana e para o Sul e Sudeste Asiático.
Acrescenta-se a isto o fato de que a população mundial passará dos atuais 7 bilhões para mais de 9 bilhões de habitantes até o final da primeira metade deste século XXI, com a maior parte deste incremento populacional sendo originado nos países em desenvolvimento – boa parte deles de clima tropical.
Todos estes dados e estimativas indicam a necessidade de aumento da produção agropecuária nestes países de clima tropical para suprir o aumento da demanda em função do incremento da população e também para cobrir o gap da insegurança alimentar.
No entanto, com raríssimas exceções – Brasil talvez seja o exemplo mais latente de “exceção à regra” –, estes países de clima tropical possuem atualmente baixos níveis de produtividade agropecuária, resultado principalmente de: 1) técnicas rudimentares de baixa intensidade tecnológica e pouco sustentáveis; 2) falta de coordenação entre os agentes das cadeias de valor; 3) infraestruturas deficientes; 4) pouca disponibilidade de crédito para custeio e investimento e 5) insegurança jurídica, imprevisibilidade político-econômica e conflitos.
Estas condições precárias aliadas às alterações climáticas tornam o aumento da produção altamente desafiador nestas geografias. Em muitos casos, prevê-se mesmo a redução da produção, o que pode levar ao caos generalizado em matéria de segurança alimentar.
Neste sentido, a própria FAO reconhece que o comércio internacional é uma alavanca importante neste contexto de adaptação às alterações climáticas e redução da insegurança alimentar. No curto prazo, movendo os alimentos de áreas superavitárias para áreas deficitárias em função de eventos climáticos extremos como as secas e as cheias. No longo prazo, o comércio internacional pode contribuir para o ajustamento eficiente da produção agropecuária entre os países, uma vez que as alterações climáticas fatalmente modificarão as vantagens comparativas e a competitividade entre os países e regiões.
No entanto, é importante alertar que muitos países que sofrem com a insegurança alimentar – que ao que tudo indica irá piorar ceteris paribus – e com níveis rudimentares de produtividade agropecuária insistem em medidas protecionistas que beneficiam apenas interesses espúrios das elites locais – pouco preocupadas efetivamente em serem mais produtivas – enquanto a população em geral morre de fome. Ou seja, é bem possível que diversos países em situação de vulnerabilidade ainda maior no futuro próximo sejam reticentes em compreender e aceitar o papel do comércio internacional, de forma a garantir a manutenção dos privilégios de pequenos grupos locais vinculados ao poder.
A FAO também sugere no documento que ainda que o comércio internacional seja uma importante alavanca, não deve ser a única opção para os países que sofrerão os impactos negativos das alterações climáticas. Isto porque a dependência completa das importações pode levantar questões como a capacidade financeira dos países importadores no longo prazo em arcar com os custos oriundos deste movimento, com impactos nos empregos e nas balanças comerciais e reservas internacionais dos países.
Assim, para além do comércio internacional de produtos agropecuários, medidas que construam resiliência nos países mais afetados pelas alterações climáticas também são importantes. É o que a FAO chama de medidas e incentivos para a adoção de práticas agropecuárias “climate-smart” que ao mesmo tempo colaboram para o aumento da produtividade e para a maior sustentabilidade ambiental. Trata-se, em boa medida, dos incentivos classificados na Caixa Verde do Acordo sobre a Agricultura da OMC, isto é, incentivos que não promovem distorções no comércio internacional. É o caso, por exemplo, da pesquisa e desenvolvimento, programas de treinamento, extensão e assistência técnica.
As poucas experiências até o presente de superação da insegurança alimentar sugerem que investimentos locais em conhecimento e tecnologia (choque de produtividade) e abertura comercial ao mundo (choque de competitividade) foram suficientes. Este novo período, marcado pelas alterações climáticas, como se vê, exigirá um pouco mais daqueles que querem tornarem-se seguros do ponto de vista alimentar, uma vez que a escolha de políticas erradas pode ser literalmente o fim da linha para alguns países.
Luis Rua
Especialista em Agronegócios pela ESALQ-USP
Mestre em Economia Internacional pela Universidade do Porto (Portugal)
Doutorando em “Global Studies” pela Universidade Nova de Lisboa (Portugal)
Especialista em Agronegócios pela ESALQ-USP
Mestre em Economia Internacional pela Universidade do Porto (Portugal)
Doutorando em “Global Studies” pela Universidade Nova de Lisboa (Portugal)
Fonte: Portal do Agronegócio
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