Na agropecuária, enquanto se busca a intensificação do uso do solo e produzir a custos decrescentes, gerenciar riscos é fundamental
Em anos recentes, com oscilação da renda, produtores foram à falência ou entraram em recuperação judicial. Essa é a situação, inclusive, de alguns grupos empresariais em que se esperaria um bom uso de ferramentas para gerenciar riscos. Alguns destes grupos chegaram a ampliar seus negócios para além da porteira, mas isso pode ter resultado em situações financeiras indesejadas.
Na produção agrícola brasileira, a busca por diversificação de culturas e uso do solo na segunda safra parece ser o desafio. Mas muitas vezes faltam opções de culturas com liquidez e retornos desejáveis, e incrementar o uso do solo pode elevar os riscos financeiro e econômico.
Conforme já tratado por Albert Einstein “nem tudo que pode ser contado conta e nem tudo que conta pode ser contado”. Certamente é neste contexto que se encaixa também a agropecuária. Não existe um modelo único para seguir produzindo com sustentabilidade e gerenciar risco. Há certamente alguns fundamentos para serem considerados.
Vale lembrar que os riscos estão relacionados à produção, aos preços ou ao mercado, a questões financeiras, institucionais e humanas ou pessoal. Entre as estratégias consideradas tradicionais para gerenciar riscos, a primeira a ser citada é a diversificação de culturas e atividades. A diversificação de culturas contribuiu para a fertilidade do solo, o controle de pragas e doenças e certamente para a menor dependência de apenas um mercado na venda da produção. Para o Brasil, o desafio é a rotação e a sucessão de culturas. Produtores sempre avaliam o sistema produtivo e, neste caso, muitas vezes consideram mais as possibilidades de culturas em sucessão do que a rotação propriamente dita.
Em termos de sistema produtivo, as principais culturas utilizadas no Brasil quanto à extensão em áreas são soja e milho. Porém, ao se avaliar os retornos financeiros, a cultura do milho em segunda safra mostra baixa rentabilidade, quando não negativa. Ao se considerar os riscos de margens negativas sobre o custo total, a probabilidade é superior a 50%. Por que então se continua produzindo? Certamente há fatores relacionados a questões agronômicas, fluxos de caixa e liquidez na comercialização, entre outros, que influenciam na decisão. Mas, nem tudo está sendo contabilizado!
Por outro lado, um dos sistemas mais rentáveis dos últimos 10 anos em culturas temporárias para grãos e fibras é a sucessão soja e algodão, utilizado especialmente no estado de Mato Grosso e algumas regiões de Goiás e de Mato Grosso do Sul. Por que, então, não se incrementa o uso do solo com algodão de segunda safra? Além disso, por que o algodão representa, em média, cerca de 1/3 da área agrícola de cada fazenda? Neste caso, entre outros fatores, o alto custo operacional por unidade de área e a necessidade de ativos imobilizados específicos (“sunk cost”) influenciam as decisões de entrada na atividade, de expansão ou retração da área da cultura, assim como as decisões de saída integral da atividade – barreiras à entrada e à saída.
A diversificação de negócios e a integração vertical também são outros aspectos da estratégia tradicional, visando atuar em mercados distintos e a agregação de valor. Mas isto também não é uma tarefa fácil na agropecuária. No geral, o que se observa é a especialização de negócios, e não a diversificação.
O uso de vendas antecipadas (contratos a termo), mercados futuros e hedge é outro ponto tradicional no gerenciamento de risco. No Brasil, as ferramentas são geralmente implementadas quando da captação de crédito para o cultivo de uma nova safra ou atividade pecuária, mas pouco com o foco de hedge. Assim, contratos a termo e barter (trocas) são as alternativas mais utilizadas. O uso de mercado futuros para hedge acaba ficando em segundo plano.
O seguro agrícola é outra ferramenta de gerenciamento de risco na agropecuária. Para aqueles que captam crédito vinculado ao Plano Agrícola e Pecuário do Governo, há alguns seguros vinculados. Mesmo assim, poucas são as opções no setor privado e, quando disponíveis, são consideradas de alto custo por produtores. O seguro de renda, que deveria ser prioridade, é irrisório sobre a área cultivada no Brasil.
De qualquer forma, a grande variedade de riscos a que a agropecuária está exposta faz com que os negócios enfrentem desafios fora dos conhecimentos climáticos, de doenças, de atritos comerciais e ciclo da cultura e/ou atividade. Embora o desenvolvimento tecnológico disponibilize ferramentas cada vez mais dinâmicas, saber o que integrar e quando também não é tarefa fácil.
O interessante é que, ao longo dos anos, os produtores vão absorvendo e gerenciando os riscos e, felizmente, ajustando suas atividades. Quando se faz avaliação estatística quanto ao posicionamento em fronteira eficiente de produção, na média, o portfólio de produtores leva a pontos ótimos, ou pelo menos indicam a necessidade de poucos ajustamentos. Entretanto, o difícil é mensurar a que custos (qual o sofrimento) chegaram a um ponto
considerado de adequado em termos de risco e retorno.
Aqui se enquadra, por exemplo, o cultivo de milho de segunda safra no Centro-Oeste representando apenas cerca de 40% da área de soja da primeira safra, assim como o fato de em Mato Grosso mais de 80% da área de algodão estar também em segunda safra. Ao se avaliar risco e retorno, o cultivo de milho em segunda safra tende a elevar o risco de sistemas produtivo, enquanto o de algodão em segunda safra tende a amenizar o risco. De qualquer forma, sobre gerenciamento de risco, as avaliações estatísticas para Mato Grosso, por exemplo, sugerem que o uso do solo deve ser realizado tanto com soja e algodão em primeira safra, assim como para milho e algodão em segunda safra, sucessora da soja. É a diversificação prevalecendo, pois “nem tudo que pode ser contado conta e nem tudo que conta pode ser contado”.
Lucilio Alves - Professor da Esalq/USP - Pesquisador responsável pelas Equipes de Grãos, Fibras e Raízes do Cepea
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