1 – ccolombo@iac.sp.gov.br – Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Recursos Genéticos Vegetais, IAC.
Introdução
Não é de hoje que a sustentabilidade pauta o desenvolvimento tecnológico do planeta, e não poderia ser diferente. As emissões crescentes de CO2, o aquecimento global, a crise de abastecimento de água, a necessidade de substituição dos combustíveis fósseis por renováveis e os resíduos sólidos estão na agenda de reuniões de chefes de Estado dos países mais importantes do mundo: 175 países assinaram no último dia 22 de abril de 2016 o acordo sobre mudanças climáticas fechado em dezembro do ano passado em Paris, durante a COP-21. Em linhas gerais, o acordo é o primeiro pacto universal de luta contra a mudança climática de cumprimento obrigatório e determina que seus 195 países signatários cumpram as metas estabelecidas para que a elevação da temperatura média do planeta fique abaixo de 2°C. O compromisso brasileiro assumido é de redução de 37% das emissões de CO2 até 2035.
A agricultura tem papel fundamental nessa difícil missão. As emissões de gases do efeito estufa provenientes da agropecuária, silvicultura e pesca praticamente dobraram nos últimos 50 anos e, até 2050, esse volume deverá crescer 30% caso a expansão do setor continue no ritmo atual e nada aconteça para frear as emissões, segundo aponta a FAO, em relatório publicado em 11 de abril de 2014. A maior fonte de emissão de gases com efeito estufa na agricultura é a fermentação entérica, devido à produção de metano pelos animais durante a digestão e sua expulsão por eructação. Ela representa quase dois terços das emissões totais. Em seguida, vêm as emissões geradas para aplicação de fertilizantes sintéticos, responsáveis por 14% das emissões agrícolas, com crescimento de 37% desde 2001, segundo a FAO.
Entretanto, na agricultura também estão as soluções para mitigação do efeito estufa que, geralmente, convergem tanto para a redução como para o sequestro do CO2 excedente. O grande desafio que se coloca é como construir uma agricultura de futuro e conciliar inovação com sustentabilidade ambiental. Uma importante contribuição para essa sustentabilidade está no cultivo de florestas, que, no Brasil, chega a quase seis milhões de hectares. Por meio do plantio de florestas, é possível neutralizar parte das emissões, haja vista que a quantidade anual de carbono capturado pelas árvores é, em média, de uma tonelada a cada seis árvores plantadas, segundo cálculo do Instituto Brasileiro de Florestas.
A agricultura do futuro deverá ter menor dependência de agroquímicos, insumos e água, fazer menor uso de máquinas e de aração da terra e contribuir para mitigação de gases de efeito estufa. A macaúba, palmeira com mil e uma utilidades, chega bem perto desses predicados, podendo ser protagonista de um mundo sustentável.
A floresta em si não representa solução definitiva em termos de sequestro de CO2, muito embora plantações perenes sejam capazes de sequestrar 50% a mais de carbono do que as anuais, segundo Stan Cox, pesquisador do Instituto da Terra, que trabalha com perenização de culturas. De acordo com cálculos do Banco Mundial, as emissões anuais de CO2 per capita são da ordem de 4,2 toneladas e, portanto, seria necessário aproximadamente 1,5 ha de floresta por pessoa para essa compensação ambiental. No entanto, florestas cultivadas podem apresentar vantagens ambientais importantes. As que produzem energia renovável, como lenha e carvão vegetal, são fundamentais, pois esses produtos representam 12,5% de nossa matriz energética. Outros reflorestamentos garantem a produção de papel e celulose, e, juntamente com a floresta madeireira, são os mais eficientes em termos de armazenamento de carbono, sobretudo na forma de vigas, caibros, ripas, batentes, mourões, móveis, utensílios, portas e janelas.
Vantagens mais impactantes são esperadas de florestas com exploração comercial por várias décadas e cujo produto extraído não se restringe à própria árvore. A começar pelas suas raízes, que podem alcançar vários metros de profundidade, fazendo com que a planta aproveite melhor a água da chuva, possibilitando o desenvolvimento de microrganismos que contribuem para a fertilidade do solo. Também não haveria a necessidade de serem plantadas em curto espaço de tempo, fazendo menor uso de pesticidas, fertilizantes e, sobretudo, de máquinas, uma vez que a maior queima de combustível fóssil na agricultura convencional ocorre na aração, representando de 40 a 50% das emissões. Outra importante vantagem se dá pela redução na emissão de CO2 em virtude do acúmulo de carbono no húmus do solo, pois, assim como o plantio direto, não há revolvimento do solo coberto por florestas.
Em relação às emissões de CO2 pelo uso de combustíveis, a Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE) divulgou em 2016 os últimos dados do consumo final de energia por fonte por meio de publicação do Balanço Energético Nacional do Ministério de Minas e Energia (MME), que aponta para o consumo de 18,8% de diesel, seguido por 9,7% da gasolina e 5,1% do etanol. Além disso, o diesel representa 50% das emissões de CO2 geradas pelo uso de combustíveis no Brasil. Diante do forte impacto desse combustível nas emissões de CO2, foi regulamentado, em 2005, pelo governo brasileiro, o Programa de Produção e Utilização do Biodiesel (PNPB), que estabelece a adoção de mesclas crescentes de biodiesel ao diesel de petróleo em todo o território nacional.
Além de reduzir a dependência pelo diesel importado, que foi de 6,94 bilhões de litros em 2015, o equivalente a 13% do consumo interno, a medida visa também a estimular o aumento da biomassa energética e a gerar renda aos produtores. A partir de novembro de 2014, a adição de biodiesel passou a ser de 7% (B7), e, a partir de abril de 2017, deverá ser de 8% (B8), saltando para 9% em 2018 e 10% em abril de 2019, conforme sancionado no último dia 23 de março de 2016 pela então presidente da república. O B10 deverá representar uma redução de 9,4% de redução de emissão de CO2 em relação ao diesel de petróleo, e, segundo projeções baseadas em estudos do EPE (2005), com sua implantação, deixarão de ser lançadas na atmosfera cerca de 12,6 milhões de toneladas de CO2 em 2019.
Atualmente, 77% do biodiesel produzido é proveniente da cultura da soja por absoluta inexistência de outra matéria-prima que atenda à demanda existente. No entanto, acreditamos que o futuro do biodiesel no país deverá passar pela adoção de plantas perenes, especialmente plantas da família das arecaceaes, como buriti, macaúba e babaçu, com ampla ocorrência no país e amplo potencial de utilização e plantio em áreas com índices de precipitação de 1000 a 1500 mm. As plantas perenes têm contra si o espaço de tempo de três a seis anos para o início da produção, mas apresentam a grande vantagem de produzir mesmo com chuvas irregulares por 30 ou 40 anos, sem necessidade de novos plantios. No caso das culturas anuais, que precisam de chuva com dia e hora marcados, o risco de redução drástica da produtividade é muito grande.
A macaúba, espécie nativa presente na paisagem de grande parte do país e com distribuição continental, pode ter vida útil econômica que excede 50 anos, e, como espécie pioneira, abre caminho para a sucessão de espécies, assegurando a conservação e a recuperação ambiental, podendo ser consorciada com outras culturas em sistemas agroflorestais ou silvipastoris, ou ser adotada para plantio de áreas de preservação ambiental com possibilidade de exploração comercial dos seus frutos. Da macaúba podem ser extraídos dois tipos de óleo: o fino, retirado da amêndoa, tendo potencial para utilização nobre na indústria alimentícia, farmacêutica e cosmética; e o óleo da polpa, com até 80% de ácido oleico na sua composição, o que lhe garante especial interesse para biodiesel. Estimativas de produção de óleo a partir de populações nativas de macaúba são da ordem de 5 mil litros por ha.ano-1, tal como o dendê, que não compete com a macaúba em virtude de suas exigências climáticas, que restringem o seu cultivo à faixa +10 e -10 graus de latitude, onde os níveis de precipitação são de pelo menos 2000 mm e bem distribuídos ao longo do ano. Ainda, as tortas produzidas a partir do processamento da polpa e da amêndoa da macaúba podem ser aproveitadas para ração animal, com ótimas características nutricionais e de palatabilidade. Assim, os produtos gerados pela produção de óleo da polpa representam importante portfólio de bioprodutos com aplicação diversa pelas indústrias de alimentos, cosméticos e de tecnologia industrial, conferindo à macaúba propriedades de uma espécie de alto grau de interesse bioeconômico.
O termo bioeconomia ou economia ecológica deriva da obra de 1970 “The Entropy Law and the Economic Process”, do matemático, estatístico e economista romeno Nicholas Georgescu-Roegen, para quem a economia deveria ser uma área da biologia, pois somos uma das espécies biológicas do planeta e, como tal, estamos submetidos a todas as leis que governam a existência da vida na terra. A aplicação do segundo princípio da termodinâmica (lei da entropia) à economia diz que em todo movimento de energia há uma parte que se degrada e que se perde do aproveitamento humano, sendo impossível ser totalmente recuperada. A partir desse ponto de vista, o valor bioeconômico das espécies cultivadas deve ser relativizado, e aquelas capazes de construção de uma agricultura de futuro, que conciliem inovação e sustentabilidade ambiental, deveriam ser priorizadas, a exemplo da macaúba, espécie com mil e uma utilidades.
Características químicas de partes do fruto da macaúba e respectivas proporções média em relação ao fruto inteiro, sendo endocarpo (EN), mesocarpo (ME), epicarpo (EP), e endosperma (ED), de frutos de macaúba. Valores em base seca.
Características químicas e perfil de utilização de partes do fruto da macaúba representadas em termos de porcentagem
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