Excesso do ingrediente na ração pode deixar carne amarelada e prejudicar vendas
Pesquisa desenvolvida pela Embrapa demonstrou que a utilização de glúten de milho na alimentação de pacus (Piaractus mesopotamicus) pode deixar os filés mais amarelados. A coloração amarelada do filé em algumas espécies de peixes nativos, como o surubim (Pseudoplatystoma fasciatum) e o pacu, tem sido relatada por produtores de diversas regiões do Brasil. Apesar de não afetar a qualidade nem o sabor da carne, essa característica, quando acentuada, prejudica a comercialização do filé de peixes reconhecidos pela carne branca. Diante do problema, produtores e frigoríficos de Mato Grosso do Sul procuraram a Embrapa em busca de soluções.
O glúten de milho é um subproduto da indústria de milho, produzido após o processamento do amido e do gérmen de milho, possui alto teor proteico e é bastante utilizado nas rações de peixes, aves, bovinos, pets e suínos. Por outro lado, o ingrediente concentra alguns pigmentantes naturais do milho (xantofilas), que podem provocar coloração amarelada no filé de peixes. De olho nessa questão, pesquisadores da Embrapa trabalharam para identificar a relação do glúten de milho com a coloração da carne do pacu avaliando diferentes quantidades do ingrediente na ração, além de avaliar o desempenho e o estado de saúde dos pacus.
Em quantidade adequada, substituição de soja por milho é positiva
Na pesquisa, foi constatado que a substituição de 21.95% a 38.75% da proteína do farelo de soja pelo glúten de milho, que correspondeu a 5,37% a 9,48% do total da ração, melhorou o desempenho e o rendimento de carcaça e filé, sem alteração da qualidade, coloração do filé e saúde dos pacus, podendo ser recomendada com nível seguro de inclusão em rações para a espécie. “Diferentemente da soja, o glúten de milho é isento de antinutricionais, componentes presentes em alimentos de origem vegetal e que prejudicam o desempenho dos animais, o que pode ter contribuído para os melhores resultados”, explica o pesquisador da Embrapa Meio Ambiente (SP) Hamilton Hisano, responsável pelo estudo financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pelo extinto Ministério da Pesca e Aquicultura.
Hisano ressalta ainda que a quantidade de xantofilas pode variar entre lotes de glúten de milho. Na pesquisa, os teores desse pigmentante nas rações variaram entre 2,32 a 19,23 mg/kg. Apesar de existirem informações de que o nível xantofila pode causar coloração amarelada em algumas espécies exóticas de peixe, para o pacu, ainda não havia nenhum trabalho desenvolvido até o momento. “Como essa análise é relativamente cara, a relação encontrada com a inclusão do glúten de milho pode ser considerada um indicativo de uso em rações para a espécie”, declara Hisano, destacando o ineditismo e aplicabilidade da pesquisa.
Testes com diferentes concentrações de glúten - De acordo com o chefe-geral da Embrapa Pantanal (MS) Jorge Lara, responsável pelas análises de qualidade da carne no projeto, a equipe avaliou o impacto de dietas com diferentes concentrações de glúten nos filés de pacus. Os peixes foram divididos em cinco grupos, cada um alimentado com rações que substituíram a soja pelo glúten do milho em taxas de 0%, 25%, 50%, 75% e 100%. "O uso do glúten de milho em substituição à proteína da soja busca encontrar alternativas para a dieta dos peixes", esclarece Lara. "O glúten tem uma importância muito grande em termos proteicos".
Entre os parâmetros avaliados, segundo o pesquisador, estavam a luminosidade, a coloração dos filés e o pH das carnes. "Medimos também a oxidação lipídica, uma reação química que fornece uma estimativa do quanto o alimento está rançoso e oxidado. Analisamos, ainda, a capacidade de reter água da carne, ou seja: uma vez em descanso, quanto ela perde de água? Essa informação é importante para avaliação da suculência e maciez, por exemplo", detalha.
Os resultados mostraram que, dos quatro parâmetros, apenas a luminosidade e a coloração dos filés apresentaram mudanças significativas em rações com concentrações mais altas de glúten, diz Jorge. "Após uma análise estatística, verificamos que o tratamento da alimentação diferenciada em si não prejudicou em nada a qualidade do produto". Ele conta que a retenção de água atingiu cerca de 62% em todos os tratamentos, uma porcentagem considerada normal; já o pH ficou em torno de 6,4, um valor esperado em carnes de pescado de qualidade.
"Nos filés do grupo que ingeriu a ração com 25% de substituição de glúten, tivemos um aumento de 47 para 53 na luminosidade, um valor dentro da faixa esperada; no valor B (que avalia o componente de cor amarela nas carnes), o aumento foi de 12,5 para 13,3 - uma diferença sutil. Essa transformação passou a ser significativa em valores acima de 50%", relata o pesquisador, esclarecendo que essa variação de cor é pouco notada pelos olhos humanos. “O glúten de milho, pelos benefícios que traz para a dieta do pacu, deve ser recomendado na medida em que ele não prejudica a qualidade da carne", frisa.
Composição depende de mercado e disponibilidade - A ração de peixes é composta por vários ingredientes, como milho, soja, trigo, sorgo, farelo de carne e de ossos de bovinos, entre outros. Sua formulação varia de acordo com as necessidades nutricionais da espécie e da disponibilidade regional de matérias-primas. "Essa mistura de ingredientes é importante para equilibrar a quantidade de proteínas, entre outras características, como aminoácidos e minerais", explica Eduardo Correa, gerente comercial da Douramix Ração Animal, empresa sediada em Dourados (MS) . Ele acredita que o cenário é promissor, uma vez que o estado contará, em breve, com uma indústria de beneficiamento de milho, tornando mais fácil o acesso ao glúten desse cereal.
"Esse resultado da pesquisa é importante para nós, do setor industrial de nutrição animal, pois a utilização de subprodutos da indústria de alimentos mais baratos e com alto valor proteico é uma necessidade do mercado. Existe interesse em utilizar subprodutos que possam promover melhorias no desempenho e no rendimento, sem alteração da qualidade", destaca Correa.
Hamilton Hisano, da Embrapa, chama a atenção para outro fator preponderante na determinação da composição das rações: a viabilidade econômica. “É importante dizer que os preços dos ingredientes das rações variam ao longo do tempo e entre regiões e, por isso, o emprego de cada um deles também depende do mercado”, diz o especialista. Segundo Hisano, a ração está entre os insumos que mais pesam nos custos de uma piscicultura.
A ração foi fornecida a cem peixes, com cerca de 33 gramas cada, distribuídos aleatoriamente em vinte gaiolas experimentais de 70 litros colocadas dentro de cinco aquários, de mil litros cada um, com renovação contínua de água.
O estudo elucidou questões relacionadas à coloração amarelada de filés de pacus ao constatar cientificamente que as xantofilas presentes principalmente no glúten e outros derivados do milho são os principais responsáveis pela pigmentação na carne e na pele e que, dependendo da concentração dessas substâncias, essa coloração pode ser intensificada. Assim, os resultados são prontamente aplicáveis e transferíveis para produtores, fábricas de ração e frigoríficos.
Proximidade com o setor produtivo - O cientista frisa que a proximidade com o setor produtivo foi importante para a elaboração do projeto e resolução do problema. O analista de Desenvolvimento Socioeconômico da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar de Mato Grosso do Sul (Semagro), João Sotoya Takagi, diz que a participação do setor produtivo foi uma preocupação desde o início dos trabalhos, pois se tratava de um desafio considerado importante para a indústria processadora.
A pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente Márcia Ishikawa e o aluno de pós-graduação da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) José Pilecco também participaram da pesquisa. Alguns dos resultados desse trabalho podem ser acessados na revista científica europeia Aquaculture International.
Fonte: DBO - EDITORES ASSOCIADOS
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