Não é mais necessária coação direta contra liberdade de ir e vir
Em seu último ato como ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira Oliveira publicou uma nova portaria alterando conceitos sobre a definição de “trabalho escravo”. A principal mudança é a nova definição de “jornada exaustiva e condição degradante”, não sendo necessária a coação direta contra a liberdade de ir e vir para configuração do crime.
Outra mudança da nova portaria é o fim da exigência da autorização do Ministério do Trabalho para que seja divulgada a “lista suja” das empresas autuadas por manter trabalhadores em condições análogas à de escravo. A norma foi publicada no Diário Oficial da União desta sexta-feira (29.12).
O texto anterior (Portaria MTB 1.129/2017) havia sido suspenso pela ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber por alegadamente violar a Constituição e acordos internacionais celebrados pelo Brasil: “O ato de privar alguém de sua liberdade e de sua dignidade, tratando-o como coisa e não como pessoa humana, é repudiado pela ordem constitucional, quer se faça mediante coação, quer pela violação intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno”, justificou a ministra na liminar.
Leia, na íntegra, a nova portaria:
PORTARIA MTB 1.293, DE 28 DE DEZEMBRO DE 2017
Dispõe sobre os conceitos de trabalho em condições análogas à de escravo para fins de concessão de seguro-desemprego ao trabalhador que vier a ser resgatado em fiscalização do Ministério do Trabalho, nos termos do artigo 2º-C da Lei n.º 7.998, de 11 de janeiro de 1990, e trata da divulgação do Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo, estabelecido pela Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH n.º 4, de 11 de maio de 2016.
O MINISTRO DE ESTADO DO TRABALHO, no uso da atribuição que lhe confere o art. 87, parágrafo único, inciso II, da Constituição Federal, e
Considerando a Convenção n.º 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), promulgada pelo Decreto n.º 41.721, de 25 de junho de 1957;
Considerando a Convenção n.º 105 da OIT, promulgada pelo Decreto n.º 58.822, de 14 de julho de 1966;
Considerando a Convenção sobre a Escravatura de Genebra, promulgada pelo Decreto n.º 58.563, de 1º de junho de 1966;
Considerando a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, promulgada pelo Decreto n.º 678, de 6 de novembro de 1992;
Considerando a Lei n.º 7.998, de 11 de janeiro de 1990, bem como a Lei n.º 10.608, de 20 de dezembro de 2002; e
Considerando o disposto no art. 149 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal). Resolve:
Art. 1º Para fins de concessão de benefício de seguro-desemprego ao trabalhador que for encontrado em condição análoga à de escravo no curso de fiscalização do Ministério do Trabalho, nos termos da Portaria MTE n.º 1.153, de 13 de outubro de 2003, bem como para inclusão de administrados no Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo, estabelecido pela Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH n.º 4, de 11 de maio de 2016, considera-se em condição análoga à de escravo o trabalhador submetido, de forma isolada ou conjuntamente, a:
I - Trabalho forçado;
II - Jornada exaustiva;
III - Condição degradante de trabalho;
IV - Restrição, por qualquer meio, de locomoção em razão de dívida contraída com empregador ou preposto, no momento da contratação ou no curso do contrato de trabalho;
V - Retenção no local de trabalho em razão de:
a) Cerceamento do uso de qualquer meio de transporte;
b) Manutenção de vigilância ostensiva;
c) Apoderamento de documentos ou objetos pessoais.
Art. 2º Para os fins previstos na presente Portaria:
I - Trabalho forçado é aquele exigido sob ameaça de sanção física ou psicológica e para o qual o trabalhador não tenha se oferecido ou no qual não deseje permanecer espontaneamente.
II - Jornada exaustiva é toda forma de trabalho, de natureza física ou mental, que, por sua extensão ou por sua intensidade, acarrete violação de direito fundamental do trabalhador, notadamente os relacionados a segurança, saúde, descanso e convívio familiar e social.
III - Condição degradante de trabalho é qualquer forma de negação da dignidade humana pela violação de direito fundamental do trabalhador, notadamente os dispostos nas normas de proteção do trabalho e de segurança, higiene e saúde no trabalho.
IV - Restrição, por qualquer meio, da locomoção do trabalhador em razão de dívida é a limitação ao direito fundamental de ir e vir ou de encerrar a prestação do trabalho, em razão de débito imputado pelo empregador ou preposto ou da indução ao endividamento com terceiros.
V - Cerceamento do uso de qualquer meio de transporte é toda forma de limitação ao uso de meio de transporte existente, particular ou público, possível de ser utilizado pelo trabalhador para deixar local de trabalho ou de alojamento.
VI - Vigilância ostensiva no local de trabalho é qualquer forma de controle ou fiscalização, direta ou indireta, por parte do empregador ou preposto, sobre a pessoa do trabalhador que o impeça de deixar local de trabalho ou alojamento.
VII - Apoderamento de documentos ou objetos pessoais é qualquer forma de posse ilícita do empregador ou preposto sobre documentos ou objetos pessoais do trabalhador.
Art. 3º Os conceitos estabelecidos no artigo 2º desta norma deverão ser observados pelo Auditor-Fiscal do Trabalho em qualquer ação fiscal direcionada para erradicação do trabalho em condição análoga à de escravo ou em ações fiscais em que for identificada condição análoga à de escravo, independentemente da atividade laboral, seja o trabalhador nacional ou estrangeiro, inclusive quando envolver a exploração de trabalho doméstico ou de trabalho sexual, bem como para fins de inclusão de registro no Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo estabelecido pela Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH n.º 4/2016.
Art. 4º Aplica-se o disposto nesta Portaria aos casos em que o Auditor-Fiscal do Trabalho identifique tráfico de pessoas para fins de exploração de trabalho em condição análoga à de escravo, desde que presente qualquer das hipóteses previstas nos incisos I a V do artigo 1º desta Portaria.
Parágrafo Único. Considera-se tráfico de pessoas para fins de exploração de trabalho em condição análoga à de escravo o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra.
Art. 5º O trabalho realizado em condição análoga à de escravo, sob todas as formas, constitui atentado aos direitos humanos fundamentais e à dignidade do trabalhador, sendo dever do Auditor-Fiscal do Trabalho combater a sua prática.
Art. 6º A Administração Central do Ministério do Trabalho e as Superintendências Regionais do Trabalho deverão prover a Inspeção do Trabalho de todos os recursos necessários para a fiscalização e combate ao trabalho em condições análogas às de escravo, cujo combate será prioritário em seus planejamentos e ações.
Art. 7º As ações fiscais para erradicação do trabalho em condição análoga à de escravo serão planejadas e coordenadas pela Secretaria de Inspeção do Trabalho, que as realizará diretamente, por intermédio das equipes do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, e pelas Superintendências Regionais do Trabalho (SRT), por meio de grupos ou equipes de fiscalização.
Parágrafo Único. As ações fiscais previstas no caput deverão contar com a participação de representantes da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Militar Ambiental, Polícia Militar, Polícia Civil, ou outra autoridade policial que garanta a segurança da fiscalização.
Art. 8º A identificação de trabalho em condição análoga à de escravo em qualquer ação fiscal ensejará a adoção dos procedimentos previstos no artigo 2º-C, §§ 1º e 2º, da Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990, devendo o Auditor-Fiscal do Trabalho resgatar o trabalhador que estiver submetido a essa condição e emitir o Requerimento do Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado.
Art. 9º Constatada situação de grave e iminente risco à segurança e à saúde do trabalhador, deverá ser realizado, de forma imediata, o embargo ou a interdição e adotadas as demais medidas previstas em lei.
Art. 10 Com vistas a proporcionar o acolhimento de trabalhador submetido a condição análoga à de escravo, seu acompanhamento psicossocial e o acesso a políticas públicas, o Auditor-Fiscal do Trabalho deverá, no curso da ação fiscal:
I - Orientar os trabalhadores a realizar sua inscrição no Cadastro Único da Assistência Social, sempre que possível encaminhando-os para o órgão local responsável pelo cadastramento;
II - Comunicar por escrito a constatação de trabalhadores submetidos a condição análoga à de escravo ao Centro de Referência Especializado de Assistência Social - CREAS mais próximo ou, em caso de inexistência, ao Centro de Referência de Assistência Social - CRAS, solicitando o atendimento às vítimas;
III - Comunicar aos demais órgãos ou entidades da sociedade civil eventualmente existentes na região voltados para o atendimento de vítimas de trabalho análogo ao de escravo.
§ 1º. Os procedimentos previstos nos incisos II e III não serão adotados quando implicarem risco ao trabalhador.
§ 2º. Caso se verifique que os procedimentos previstos nos incisos II e III implicam risco de prejuízo ao sigilo da fiscalização, o Auditor-Fiscal do Trabalho poderá adotá-los ao final da ação.
Art. 11 Os casos de trabalhadores estrangeiros em situação de vulnerabilidade, vítimas de tráfico de pessoas e/ou de trabalho análogo ao de escravo deverão ser encaminhados para concessão de sua residência permanente no território nacional, de acordo com o que determinam art. 30 da Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017, e a Resolução Normativa nº 122, de 3 de agosto de 2016, do Conselho Nacional de Imigração - CNIg.
Parágrafo Único. O encaminhamento será efetuado por meio de memorando da Chefia de Fiscalização à Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (DETRAE) da Secretaria de Inspeção do Trabalho, devidamente instruído com pedido de autorização imediata de residência permanente formulado pelo Auditor-Fiscal do Trabalho responsável pelo resgate. A DETRAE, por sua vez, oficiará o Ministério da Justiça e Cidadania requerendo deferimento do pedido de autorização.
Art. 12 Quando o Auditor-Fiscal do Trabalho identificar a ocorrência de uma ou mais hipóteses previstas nos incisos I a V do art. 1º, deverá lavrar auto de infração conclusivo a respeito da constatação de trabalho em condição análoga à de escravo, descrevendo de forma circunstanciada e pormenorizada os fatos que fundamentaram a caracterização.
Parágrafo Único. A Secretaria de Inspeção do Trabalho adotará as providências necessárias para a identificação dos autos de infração lavrados de forma conjunta.
Art. 13 Da lavratura do auto de infração pelo Auditor-Fiscal do Trabalho com base na Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH n.º 4/2016 assegurar-se-á ao administrado o exercício do contraditório e da ampla defesa, na forma do que determinam o art. 5º, LIV e LV, da Constituição Federal; a Lei n.º 9.784, de 29 de janeiro de 1999; e a Portaria MTPS n.º 854, de 25 de junho de 2015.
Art. 14 O Cadastro de Empregadores previsto na Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH n.º 4/2016 será divulgado no sítio institucional do Ministério do Trabalho na rede mundial de computadores, contendo a relação dos administrados autuados em ação fiscal em que tenham sido identificados trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo.
§ 1º A inclusão do empregador somente ocorrerá após a prolação de decisão administrativa irrecorrível de procedência do auto de infração lavrado na ação fiscal em razão da constatação de submissão de trabalhadores em condições análogas à de escravo.
§ 2º A organização e divulgação do Cadastro ficará a cargo da DETRAE, cuja divulgação será realizada na forma do caput.
§ 3º A Assessoria de Comunicação e demais órgãos do Ministério do Trabalho deverão garantir todos os meios necessários para que a Secretaria de Inspeção do Trabalho possa realizar a divulgação do Cadastro prevista no caput e no art. 2º da Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH n.º 4/2016.
Art. 15 O Auditor-Fiscal do Trabalho deverá obrigatoriamente providenciar a elaboração de relatório de fiscalização, nas situações em que for identificada a prática de quaisquer dos tipos infracionais previstos no art. 1º desta Portaria.
Parágrafo Único. A ausência de quaisquer dos documentos elencados neste artigo implicará na devolução do processo por parte da Secretaria de Inspeção do Trabalho, para que o Auditor-Fiscal o instrua corretamente.
Art. 16 O Relatório de Fiscalização em que houver a caracterização do trabalho em condições análogas às de escravo será disponibilizado ao autuado, ou a qualquer interessado, após solicitação realizada à chefia de fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho responsável pela circunscrição em que foi constatado o ilícito.
Parágrafo Único. A Secretaria de Inspeção do Trabalho encaminhará os Relatórios de Fiscalização em que houver a caracterização do trabalho em condições análogas às de escravo ao Ministério Público Federal para as providências cabíveis no âmbito de sua competência.
Art. 17 A Secretaria de Inspeção do Trabalho disciplinará os procedimentos de fiscalização de que trata esta Portaria, por intermédio de instrução normativa a ser editada em até 60 (sessenta dias) dias.
Art. 18 Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
RONALDO NOGUEIRA DE OLIVEIRA".
Fonte: AgroLink
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