Brasil e a economia de baixo carbono: do que precisamos para cumprir o Acordo de Paris
sexta-feira, dezembro 08, 2017
Construir uma economia de baixo carbono é o desafio global do século XXI. Com o aumento da temperatura, é necessário deixar de pensar nas questões climáticas como problemas ambientais e entendê-las como um desafio dentro do campo econômico e social. O Acordo de Paris, assinado por 190 países em 2015, é o grande norte internacional para limitarmos o aquecimento do planeta em até 2ºC. O desafio para o Brasil, sétimo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, é a redução de 37% de suas emissões até 2025.
Investir em tecnologias limpas, revolucionar setores já estratégicos e alavancar a economia nacional de forma sustentável é a grande oportunidade brasileira nas próximas décadas. Segundo André Nahur, Coordenador do Programa de Mudanças Climáticas e Energia do WWF Brasil, o país é um dos que tem maior potencial para transformar os grandes “vilões” da emissão de gases do efeito estufa em atividades de baixo carbono: uso de terra, agricultura e energia.
O setor de Uso da Terra e Floresta é o maior emissor de gases do efeito estufa no país, representando quase metade (45%) das emissões em todo o ano de 2015 (SEEG). Isso inclui o desmatamento dos grandes biomas brasileiros, como a Amazônia e o Cerrado, grandes queimadas e degradação dos solos. A energia representa 23% desse total, enquanto a agricultura ocupa o terceiro lugar (22%).
“No setor agrícola, temos potencial para fazer uma agricultura de baixo carbono e reduzir os impactos das mudanças climáticas implementando tecnologias e metodologias para melhorar a resiliência. No setor de energia, o Brasil é um dos países que tem enorme potencial em relação a energias renováveis alternativas, como solar, eólica e biomassa. Isso significa um grande potencial para gerar novos empregos e aumentar o PIB. É algo que ainda não está sendo explorado e que, se fizermos de forma correta, pode trazer enormes benefícios econômicos, sociais e ambientais”, analisa.
O combate ao desmatamento no país é uma das questões mais complexas e também mais centrais se quisermos cumprir a meta estabelecida em 2015. Plínio Ribeiro, CEO da Biofílica, lembra que as áreas devolutas (terras públicas que nunca integraram o patrimônio particular) concentram as maiores taxas de desmatamento. Atualmente, quase 70 milhões de hectares na Amazônia se encaixam nessa categoria. “As áreas que já são unidade de conservação, terras indígenas ou propriedade privada são historicamente melhor geridas. Então tem que ter uma alocação desses hectares”, ressalta.
Criar um ecossistema de negócios que invista em conservação florestal e uso econômico responsável é essencial para proteger os biomas, segundo o empresário. E é justamente nessa área que a Biofílica atua: ajudando a criar mecanismos para que os proprietários de terra sejam remunerados pelas atividades de conservação. “Ter floresta tem que valer a pena, seja o proprietário um [povo] indígena, um grande, médio ou pequeno agricultor. A gente brinca que somos quase um Airbnb da floresta: ajudamos o proprietário a cuidar, investimos recursos próprios nessas atividades e criamos uma série de técnicas e metodologias que podem converter essa conservação em crédito de carbono, por exemplo”, pontua.
A venda de créditos de carbono nessas propriedades ajudam tanto as empresas que compram e neutralizam suas emissões como apoiam o proprietário e o incentivam a não derrubar árvores. A organização gere hoje mais de um milhão de hectares em projetos de uso econômico da floresta, que englobam a produção de produtos madeireiros, não-madeireiros, serviços ambientais e biotecnologia. “A gente entende que essa é a economia desse século. Se o Brasil criar esses mecanismos, a gente sai de uma economia de degradação florestal para uma economia de conservação florestal”. A organização já fez negócios com grandes empresas como Tim, Nivea e Suzano Papel e Celulose – companhias que já atuam em projetos de sustentabilidade, alguns inclusive ganhadores do Prêmio Eco.
Cooperação internacional para financiamento
Construir uma arquitetura financeira que permita e auxilie o país nessa jornada é essencial. Sem investimentos, projetos e inovações tecnológicas verdes não saem do papel. A cooperação internacional é um dos pontos fundamentais para viabilizar o Acordo e esse ponto foi reforçado novamente na COP 23 em Bonn, na Alemanha. Pensando em fortalecer ainda mais o diálogo internacional sobre o clima, a União Europeia promoveu o “Fórum União Europeia – Brasil de Negócios Verdes” em São Paulo, nos dias 27 e 28 de novembro. Mais de cem entidades financeiras, empresas nacionais e internacionais participaram do evento. A abertura contou com figuras importantes como Ilan Goldfajn, Presidente do Banco Central do Brasil e Alvir Hoffmann, Vice-Presidente da FEBRABAN, que reforçaram a necessidade do debate sobre o mundo financeiro verde.
Para João Gomes Cravinho, Embaixador da União Europeia no Brasil, o encontro tinha como objetivo mapear as oportunidades, dificuldades e desafios relacionados ao investimento verde. Ele ressalta que o financiamento, até então, tem sido um gargalo nesse processo. “Queremos que ele [mercado financeiro] seja o grande liberador, o grande impulsionador da transformação das sociedades”, reitera. Sua avaliação é que o setor privado será o motor dessa transformação e que cabe aos governos criar as condições necessárias para que as empresas atuem na sustentabilidade.
Yvon Slingenberg, diretora da DG Clima União Europeia, acredita que o papel da União Europeia é oferecer o know-how de mitigação e adaptação para os seus parceiros, incluindo o Brasil. Ela salientou ainda que o desenvolvimento de tecnologias disruptivas é essencial nesse processo, o que significa altos riscos para o setor privado. A ideia central é discutir como diminuir o risco dessas iniciativas. “Para mobilizar essa capital, precisamos de algumas condições. Políticas estáveis e previsíveis, legislação clara para os negócios, regulações que estejam alinhadas com essa transição, capitais que funcionam e estruturas de governança apropriadas”, exemplifica.
Representando o Ministério do Meio Ambiente, Everton Lucero, Secretário de Mudanças do Clima e Florestas, reafirmou o compromisso dos órgãos públicos em preparar políticas para receber investimentos das mais diversas fontes. “Existe um volume imenso de capitais a procura de um corpo seguro para investir. Temos a oportunidade de preparar nossa economia para receber esses investimentos nessas áreas. Nossa preparação será medida pelo aporte de recursos que virá de todas as fontes para criar o modelo que precisaremos para as próximas décadas”, garante.
Importância da adaptação
Para além de financiamentos para novos projetos e inovações tecnológicas, um ponto central nessa discussão é o financiamento para a adaptação das atividades econômicas às mudanças climáticas. O aumento de temperatura, mesmo que o acordo seja cumprido, afetará as atividades econômicas e exigirá a construção de modelos de negócios adaptados a essa nova realidade e comunidades resilientes às consequências que enfrentaremos. Com o cenário de um planeta mais quente, especialistas apontam como consequências mais eventos climáticos extremos (chuvas intensas, secas extensas), riscos de escassez de matéria-prima e impactos na produtividade da agricultura. Com a adaptação, além de aumentar a resiliência dos setores produtivos e reduzir riscos de perda de produtos e serviços, o país cria novas oportunidades para tecnologias e consequentemente pode ganhar muito em termos de produtividade.
Dados do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) de 2016 estimam que países em desenvolvimento devem gastar no mínimo U$ 140 bilhões por ano até 2030 para adaptar suas atividades econômicas às novas condições climáticas. Até 2050, o investimento mínimo anual passa para U$ 280 bilhões. Até agora, apenas 6% do financiamento climático global foi alocado para projetos de adaptação.
Um estudo do Instituto Ethos e WWF-Brasil levantou as principais fontes de financiamento para projetos de adaptação das atividades econômicas. Ao todo, são 28 fundos internacionais e 20 nacionais. O objetivo da pesquisa é justamente divulgar onde estão as possibilidades para a busca de capitais. No entanto, é importante refletir sobre o acesso a esses fundos, conectando-os a políticas públicas efetivas e coerência tributária, segundo o porta-voz da instituição. “Falta pensar em um bom banco de projetos de energias renováveis, agricultura de baixo carbono e restauração florestal para que comecemos a acessar de maneira mais efetiva tanto os fundos nacionais quanto fundos internacionais que podem trazer recursos para o Brasil”, ressalta André Nahur
Fonte: Estadão
0 comentários
Agradecemos seu comentário! Volte sempre :)