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Opinião: Matérias-primas para a produção de bioquerosene

segunda-feira, junho 15, 2015


A participação dos biocombustíveis na matriz energética aumentará. O bioquerosene só será realidade no país se forem realizados investimentos.

Bruno Galvêas Laviola e Guy de Capdeville
Especial para o Agrodebate
A macaúba é uma das culturas em que se aposta
como matéria-prima para a produção de
bioquerosene.
(Foto: Daniela Collares/Embrapa Agroenergia)

O Brasil pode ser considerado um dos países mais privilegiados em termos de vocação agrícola no mundo. O País possui localização privilegiada na região tropical, com alta incidência de energia solar, regime pluviométrico adequado e conta com grandes reservas de terras agricultáveis, o que permite planejar o uso agrícola em bases sustentáveis, sem comprometer os grandes biomas nacionais.

Pode-se considerar que o Brasil é um dos únicos países do mundo em que é possível produzir alimento e energia sem que ocorra competição direta por área e recursos naturais. Existem, no Brasil, cerca de 90 milhões de hectares de áreas para a expansão agrícola, sem considerar mais de 200 milhões de hectares de pastagens com algum grau de degradação que, após recuperadas, podem ser usadas na produção de alimentos e bioenergia.

Todas estas condições fazem do Brasil um país com grande capacidade para a produção de alimentos, biocombustíveis e de outros derivados de óleos vegetais para atender tanto o mercado nacional, quanto internacional.

Recentemente, tem sido crescente o interesse da aviação nacional e internacional na produção de bioquerosene para substituir parte da demanda do querosene de origem fóssil. O consumo atual de querosene de aviação no Brasil é de aproximadamente 8 milhões de m3 anuais, com projeções de demanda, para o ano de 2020, de cerca 12 milhões de m3 de querosene.

Atualmente, a indústria da aviação é responsável por cerca de 2% das emissões de dióxido de carbono no mundo, com projeções crescentes que estimam atingir 3% até 2030. Neste contexto, a indústria da aviação estabeleceu metas para a mitigação dos impactos ambientais atribuídos ao setor, buscando reduzir em 50% as emissões de dióxido de carbono até 2050.

Embora a produção ainda não esteja regulamentada, observa-se no Brasil e no mundo diversas movimentações para implementar e tornar viável a produção comercial de bioquerosene. Desde o ano de 2010 têm sido realizados no Brasil diversos voos experimentais tripulados, com diferentes proporções de misturas de bioquerosene derivados de diversas fontes de matérias-primas, como óleo de pinhão-manso, óleo de macaúba e até mesmo óleo de fritura.
Bruno Galvêas Laviola, um dos autores do artigo, é
pesquisador da Embrapa Agroenergia.
(Foto: Embrapa Agroenergia)

Resultados recentes têm demostrado ganhos positivos no uso do bioquerosene, com aumento de eficiência, diminuição da temperatura na turbina e redução das emissões de poluentes.

O bioquerosene pode ser produzido por diversos processos e matérias-primas, como biomassas lignocelulósicas, fontes sacarinas, amiláceas e óleos vegetais. Neste artigo, será dado foco apenas a discussões referentes às fontes oleaginosas e não serão consideradas as características físico-químicas do óleo para a produção do bioquerosene.

Existe no Brasil um grande número de espécies nativas e exóticas que produzem óleo em frutos e grãos, com diferentes potencialidades e adaptações naturais a distintas condições de clima e solo do País. Os desafios quanto ao uso das matérias-primas oleaginosas e as estratégias do desenvolvimento da cadeia de produção de bioquerosene de aviação no Brasil passam por gargalos técnico-científicos-políticos relativos à sua produção, seu processamento industrial e à sua integração com cadeias produtivas regionalizadas.

Dentre as oleaginosas cultivadas, a soja se destaca atualmente como a principal candidata a fonte de matéria-prima oleaginosa para a produção de bioquerosene a curto prazo, já que é a única entre todas que atende na totalidade a três parâmetros básicos e essenciais para a sustentabilidade de um possível programa de bioquerosene no Brasil. O primeiro parâmetro refere-se ao domínio de um pacote tecnológico, em que o Brasil é a referência mundial no desenvolvimento de tecnologias para a produção de soja em áreas tropicais e subtropicais.

O segundo parâmetro refere-se a escala de produção, sendo a soja a principal oleaginosa produzida no Brasil, com a produção representando quase 50% da produção nacional de grãos. Por fim, o terceiro critério refere-se à logística de distribuição espacial da matéria-prima ao longo do território nacional, sendo a soja uma das únicas matérias-primas com produção em todas as regiões do país.

Embora estes critérios façam da soja, em curto prazo, a principal candidata a fonte de matéria-prima para produção de bioquerosene, e considerando ainda que a soja é atualmente a principal fonte de matéria-prima para produção de biodiesel, é importante ponderar que não é estratégico para o País depender apenas de uma única fonte de matéria-prima, até porque os dois setores concorreriam entre si por esta fonte. Neste sentido, torna-se necessária a busca e o desenvolvimento contínuo de outras oleaginosas com maior adensamento energético e que atendam a critérios relacionados à diversificação e a regionalização.
Guy de Capdeville, um dos autores do artigo, é
pesquisador e chefe de Pesquisa e
Desenvolvimento da Embrapa Agroenergia.
(Foto: Embrapa Agroenergia)

Das oleaginosas disponíveis para diversificar a produção em médio prazo, pode-se considerar as opções como o dendê (palma-de-óleo), algodão, girassol, canola, entre outras. Estas oleaginosas possuem domínio tecnológico (cultivares, sistema de cultivo, ...), porém carecem de ações para ampliar a escala de produção, considerando a regionalização da produção.

Muitas destas oleaginosas são opções interessantes para diversificar a produção regional, mas a área plantada e a produção ainda são consideradas baixas para atender a demanda de biocombustíveis. Um exemplo é a cultura do dendezeiro (palma-de-óleo), cuja produtividade pode atingir 4 mil kg/ha de óleo, o que supera em 8 vezes a produtividade da soja (500 kg/ha), sendo excelente fonte de matéria-prima para região norte do Brasil.

A longo prazo podemos considerar as oleaginosas perenes e anuais que ainda não estão domesticadas como o pinhão-manso, a macaúba, a camelina e outras. Estas oleaginosas apresentam grande potencial para cultivo nas regiões centro-sul e nordeste do Brasil, porém, para que sejam opções economicamente viáveis necessitam de pesquisas para o desenvolvimento de cultivares e de sistemas de cultivo.

A mobilização e os investimentos do setor privado em P&D podem acelerar a geração de tecnologias direcionadas a estas espécies. Para este grupo de oleaginosas, primeiro será necessário desenvolver o domínio tecnológico para que sejam iniciadas ações buscando a escala de produção. Como muitas destas espécies são de ciclo longo, será necessário mais tempo para que possam ser completamente domesticadas.

Uma estratégia interessante será trabalhar estas espécies em sistemas agroflorestais incluindo seu consórcio com culturas anuais que possam compensar o custo do investimento nos anos iniciais de uma cultura perene. Neste grupo de oleaginosas, a macaúba vem tendo destaque nas pesquisas quanto ao potencial de rendimento, que gira entre 3 mil a 6 mil quilos por hectare de óleo.

Uma particularidade da produção de bioquerosene que difere, por exemplo, da produção de biodiesel, é que a produção da matéria-prima e a sua conversão em bioquerosene não devem ocorrer de forma pulverizada no País, mas sim em arranjos produtivos no entorno dos centros consumidores (aeroportos).

Em muitos casos, o centro de fornecimento de matéria-prima está distante do centro de transformação, o que eleva os custos, principalmente de logística, e aumenta os riscos à sustentabilidade. A matéria-prima deve estar próxima o suficiente para que o transporte não inviabilize a produção econômica. Não podemos, por exemplo, produzir óleo de dendê (palma-de-óleo) no estado do Pará para abastecer a demanda de bioquerosene do aeroporto de Brasília-DF.

Neste contexto, para o estabelecimento de um programa de produção de bioquerosene, torna-se crucial um estudo prévio dos entornos dos principais aeroportos do Brasil no que se refere a demanda potencial de bioquerosene e do zoneamento das principais matérias-primas existentes e potenciais de serem produzidas na região.

Desta forma, poder–se-á planejar a produção da matéria-prima considerando as demandas, as espécies disponíveis (domínio tecnológico), aptidão das culturas para as regiões e a viabilidade de industrialização local do bioquerosene de aviação. Os usos e demandas atuais das matérias-primas, como por exemplo, para produção de biodiesel na região, também é algo que deve ser analisado neste processo de planejamento.

O custo de produção da matéria-prima, bem como, da produção do bioquerosene devem se equiparar ao preço de produção do querosene de aviação, caso contrário a competitividade do biocombustível será comprometida. A adoção ou desenvolvimento de processos de produção de bioquerosene que possam gerar concomitantemente outros produtos no conceito de biorrefinaria podem ser interessantes para viabilizar a produção do bioquerosene de aviação a preços mais competitivos.
Dendê é uma das opções para dar suporte à matriz
energética de biocombustíveis.
(Foto: Abrapalma/BBC)
Outra questão que pode impactar nos custos de produção são os custos da certificação da produção de matéria-prima. A certificação da produção da oleaginosa e a produção em bases sustentáveis é algo que vem ganhando importância no setor dos biocombustíveis de aviação. A certificação tem impactos no custo de produção, porém pode aumentar a competitividade do bioquerosene nacional e sua inserção no mercado mundial.

Nos próximos anos, a participação dos biocombustíveis na matriz energética brasileira e global aumentará gradativamente em caráter irreversível. O bioquerosene de aviação poderá ter papel importante não só por diversificar a matriz energética, mas também por equacionar questões como a distribuição de renda e a segurança ambiental.

Embora a soja seja atualmente a oleaginosa com maior escala de produção no País, torna-se fundamental a utilização de matérias-primas de maior densidade energética, e o desenvolvimento tecnológico destas para dar suporte à sua incorporação na matriz energética de biocombustíveis.

A palma-de-óleo e as espécies alternativas, como pinhão-manso e palmeiras nativas (macaúba, tucumã babaçu e inajá), em função das maiores produtividades potenciais e das aptidões edafoclimáticas, são ótimas opções para atender às demandas quantitativas e ecorregionais de óleo.

Além do domínio tecnológico, deve-se considerar a produção de bioquerosene em arranjos produtivos de forma a garantir e potencializar a logística e o suprimento da matéria-prima nas diversas fases da produção, além de envolver os distintos atores associados ao sistema produtivo (produtores, comunidades, associação, instituições de capacitação e etc.).

Obviamente, o bioquerosene só se transformará em realidade no país se forem realizados investimentos significativos e constantes em pesquisa e desenvolvimento das matérias-primas e das tecnologias relacionadas, para que se tornem não apenas alternativas viáveis, mas também, alternativas sustentáveis pelo investimento na sua cadeia produtiva, nas soluções sociais, ambientais e econômicas para acomodar a mudança global de comportamento sócio-ambiental imposta pelo mercado interno e externo.

Bruno Galvêas Laviola é pesquisador da Embrapa Agroenergia e Guy de Capdeville é pesquisador e chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Agroenergia.

Fonte: G1

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