Leonardo Bhering - Embrapa Agroenergia, Brasília (DF) (leonardo.bhering@embrapa.br)
Segundo o Plano Nacional de Agroenergia 2006- 2011 (BRASIL, 2006), as ações de pesquisa em biocombustíveis devem buscar novos patamares de rendimento de óleo com maior adensamento energético das espécies oleaginosas, passando o rendimento em óleo do nível atual de 600 kg/ha para aproximadamente 5.000 kg/ha. Isto irá proporcionar maior competitividade ao biodiesel brasileiro (do qual 40–60 % do custo de produção é devido às matérias-primas). Na busca de patamares mais elevados de produtividade em termos de quantidade de óleo produzida por hectare (culturas tradicionais, como soja e mamona, têm produzido cerca de 500-700 kg/ha de óleo), tem-se buscado espécies potenciais (por exemplo, palmáceas – como dendê, macaúba e buritis – e pinhão-manso) de alto rendimento de óleo (produtividades superiores a 4.000 kg de óleo/ha), bem como adaptadas a condições edafo-climáticas distintas (incluindo biomas diversos, principalmente Cerrado e Semi-Árido).
A macaúba é uma das palmeiras de maior dispersão no Brasil, com ocorrência de povoamentos naturais em quase todo território, sobretudo em áreas abertas e com alta incidência solar, adaptando-se a solos arenosos e com baixo índice hídrico. Porém, ela desenvolve-se melhor em locais onde há solos férteis. Entretanto, as maiores concentrações estão localizadas em Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, estando amplamente disseminada pelas áreas de Cerrado. A ocorrência de macaúba acompanha áreas de solos com maior fertilidade natural e vegetação primitiva de fisionomia florestal, mostrando que a espécie avança como pioneira, evitando extremos de deficiência de nutrientes e de água. Isto pode ser verificado quando se observa a quantidade destas palmeiras à beira de rios, mostrando melhor adaptação em regiões sem déficits.
A espécie Acrocomia aculeata (Jacq.) Lood. ex Mart. tem vasta sinonímia popular no Brasil: macaúba, mucajá, mocujá, mocajá, macaíba, macaiúva, bacaiúva, bocaiúva, umbocaiúva, imbocaiá, coco-de-catarro ou coco-de-espinho, entre outros.
Seu fruto é redondo, liso, com epicarpo (casca), coloração marrom-amarelada, tendo a polpa amarelada com uma amêndoa oleaginosa. A produção acontece sobretudo entre setembro e fevereiro. A palmeira adulta produz em média seis cachos por pé, podendo produzir até 4.000 cocos durante a safra, sendo em média 550 frutos por cacho. Estudos preliminares têm demonstrado a ocorrência de bianualidade da produção, ou seja, após um ano de grande produção o ano seguinte apresenta uma forte queda. Porém, esta informação ainda é preliminar e deve ser mais bem quantificada.
O teor de óleo dos frutos é de 20 %, com produção de até 30 toneladas por hectare. O fruto maduro, de coloração amarelada, é muito saboreado pelos pássaros e pelos animais. De fato, é comum encontrar bovinos, macacos, entre outros animais, se alimentando da polpa, sem contar que o próprio homem a utiliza na fabricação de sorvetes, sucos, geléias, doces e como ingrediente em diversos pratos regionais. E esta ingestão dos frutos pelos animais acaba sendo uma das formas de disseminação da espécie. Debaixo do mesocarpo (polpa) há uma castanha (endocarpo) muito dura, comestível, e que produz um óleo muito fino, com baixa acidez e grande valor comercial, rico em ácido láurico, que pode ser também utilizado pelas indústrias de margarinas e pelos fabricantes de cosméticos (a preços altíssimos por litro). O óleo da polpa é alaranjado e contém altas concentrações de vitamina A, enquanto o óleo extraído das amêndoas é transparente. Enquanto a polpa gera 16,5 % de rentabilidade de óleo, a amêndoa gera 52,9 %. A quantidade de ácidos graxos saturados do óleo da polpa é menor (25,52 %) que a do óleo de amêndoa (46,69 %).
Com relação aos tipos de ácidos graxos, os dois tipos de óleo contêm ácido oléico como principal constituinte. Entretanto, o segundo ácido graxo mais abundante no óleo da amêndoa é o ácido láurico, enquanto o segundo mais abundante no óleo de polpa é o ácido palmítico. Os óleos láuricos, como são chamados aqueles que contêm grande taxa de ácido láurico em sua composição, são utilizados na indústria de cosméticos. Devido a esta grande quantidade de óleo na polpa, alguns cuidados devem ser tomados durante o processamento e armazenamento dos frutos. Assim, como ocorre com o dendê, os frutos devem ser processados imediatamente após a colheita, pois degradam rapidamente, aumentando sua acidez e prejudicando o processamento industrial.
Um dos problemas da produção de biodiesel em usinas é a geração de subprodutos como a glicerina, farelo e tortas. Na produção a partir de frutos de mamona e pinhão-manso, por exemplo, a torta, que poderia ser usada como ração animal, não pode ter esse destino devido à presença de substâncias tóxicas, tornando-se um resíduo que possui muita limitação para ser utilizado, encarecendo assim o processo de produção de óleo. No caso da macaúba, as tortas obtidas da polpa e da amêndoa têm alto valor energético, podendo ser usadas como ração para animais domésticos. A torta de amêndoa também tem alta concentração de proteínas, podendo também ser utilizada na produção de alimentos para consumo humano.
Além do uso do fruto na obtenção de óleo, ração e alimentos, o endocarpo pode ser utilizado na fabricação de carvão. O carvão do endosperma de macaúba pode ser utilizado em operações metalúrgicas e siderúrgicas e pode ter uso gasogênico e doméstico. Desta forma, ao contrário do que acontece com outras culturas oleíferas, no caso da macaúba “tudo” pode ser aproveitado na propriedade. As palmeiras, como as do gênero Acrocomia, destacam-se do ponto de vista natural, econômico e ecológico. Além dos vários empregos do fruto e seus componentes, a madeira é empregada em construções rurais, na confecção de ripas e calhas para água. Do miolo do estipe obtém-se uma fécula nutritiva. As folhas, além de forrageiras, fornecem fibras têxteis para a confecção de redes e linhas de pescar. As cascas, secas e trituradas, podem ser utilizadas como fonte valiosa no combate à desnutrição infantil, por terem teor de ferro quatro vezes mais elevado do que a multimistura, além de concentrações razoáveis de cálcio e fosfato.
A utilização do óleo de macaúba para a produção de biodiesel com a participação da agricultura familiar elevaria a demanda por esta planta e ajudaria a promover o desenvolvimento sócio-econômico de muitas regiões problemáticas no país. Através de programas de geração de empregos e renda, poderia contribuir para a erradicação da miséria, freando correntes migratórias internas por contribuir com a fixação das famílias à terra.
Outro fato de extrema importância da macaúba é a possibilidade de implantar a cultura consorciada. Normalmente, o espaçamento adotado é de 5 m x 5 m, obtendo uma população de 400 plantas por hectare. Nas primeiras fases de crescimento da macaúba, recomenda-se o cultivo consorciado com culturas de pequeno porte como feijão e soja. Após cerca de dois anos, com a população melhor estabelecida e com o maior porte da palmeira, pode-se utilizar o consórcio com diferentes culturas alimentares ou energéticas, como milho e girassol. Após as plantas atingirem o estágio reprodutivo, pode-se fazer uso do consórcio lavoura-pecuária. Neste sentido, a cultura da macaúba se torna extremamente interessante, pois a copa da palmeira de macaúba permite que o gado encontre áreas sombreadas durante o dia, melhorando o conforto térmico dos animais, o que pode acarretar um ganho de peso para os animais. Além disso, com 400 plantas por hectare, não acontece o sombreamento do chão, o que permite ser possível manter um pasto de ótima qualidade para o rebanho. Acrescenta- se a este fato que o consórcio macaúba-pastagem- gado torna o balanço de carbono da cadeia praticamente nulo, que é outro fato muito importante. Com apenas a pastagem e o gado, este balanço de carbono é negativo, ocorrendo, portanto, maior liberação de CO2 na atmosfera do que a fixação do mesmo durante o processo de fotossíntese.
Que a macaúba é uma promessa para a produção de óleos, isto já se pode verificar. No entanto, falta agora a realização de mais pesquisas, de forma a subsidiar as tomadas de decisões com a cultura. Estabelecer toda a parte fitotécnica para a cultura, como adubação e espaçamento, e obter materiais genéticos superiores com maior produção de óleo por hectare e com menor porte e menos espinhos. Além disso, é necessário realizar estudos com toda a cadeia produtiva, fazendo com que informações sobre consórcio, colheita, armazenamento e processamento se tornem disponíveis e confiáveis. Assim, a cultura deixará de ser uma promessa e se tornará uma realidade para a agricultura nacional.
Referências
[1] BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Secretaria de Produção e Agroenergia. Plano nacional de agroenergia 2006-2011. 2. ed. rev. atual. Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica, 2006. 110 p.
Fonte: BiodieselBR
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