Por Flávia Waltrick
Professor do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade de Viçosa e diretor científico da Sociedade de Investigações Florestais (SIF), Sebastião Renato Valverde critica a visão estereotipada do carvão vegetal como atividade que agride o meio ambiente e mantenedora do trabalho degradante. Ele afirma que os problemas enfrentados no segmento estão relacionados ao mercado, à falta de tecnologia, legislação e burocratização do sistema.
Quais os entraves e limitadores da política e legislação no tocante à produção do carvão vegetal, também chamados de biorredutores?
Para começar, quando se fala em setor carvoeiro, pensa-se numa atividade suja. Essa visão estereotipada que foi construída sobre o carvão com uma imagem maculada gerou a essência de todas as restrições e limitações no setor de produção de carvão.
Entre os problemas relacionados à produção podemos citar o mercado e aspectos técnicos que resultam na dificuldade de carbonização. Mas os grandes dificultadores são a legislação e a burocracia que exigem uma quantidade enorme de documentações para comercialização, transporte e até para utilização do carvão vegetal.
Por que o setor enfrenta tanta burocracia?
Toda a burocracia está relacionada à rastreabilidade e origem do carvão. Quando a madeira é convertida em carvão fica difícil identificar a origem da matéria-prima, podendo ser derivada de floresta nativa ou plantada. Se essa matéria-prima tiver sido extraída de floresta nativa, você tem que saber se existe autorização para produzir.
A madeira é passível de identificação e de ser rastreada. Um caminhão carregado de madeira vindo de floresta nativa é diferente de um carregamento de madeira de floresta plantada e, portanto, é possível detectar a matéria-prima. Já com o carvão, dificilmente você consegue identificar se aquele produto é proveniente de uma floresta nativa, de um desmatamento ou de uma plantação.
Atualmente, essa rastreabilidade é cercada por vários guias de comando e controle ambiental, mas que até hoje não demonstraram eficiência porque o desmatamento nunca cessou. À medida que os índices de desmatamento crescem no Brasil você começa a duvidar da eficiência dos instrumentos. E, infelizmente, a imagem que a sociedade e os órgãos têm quando há desmatamento é que o principal culpado é o carvão, o que não é verdade porque ninguém desmata para fazer carvão.
Como esta imagem foi criada?
O que acontece no Brasil é que desmata-se para agricultar, mas aproveita-se o resíduo do desmatamento para fazer carvão quando acha alguém para comprar. Atualmente, o mercado não está comprando carvão originário nem de floresta de plantação, então qual o sentido de comprar carvão vindo de floresta nativa? A sociedade definiu o carvão como o vilão e tudo de errado que acontece no meio ambiente, o culpado é o carvão. Por isso foram criados instrumentos para controlar o carvão vegetal.
Nos últimos 30 anos, foram gerados inúmeros instrumentos de controle e excessos de preciosismos baseados em preconceitos ideológicos que o carvão vegetal é o responsável por desmatar, empregar crianças e manter o trabalho escravo.
Como isso repercute na atividade?
O produtor de carvão vegetal não tem liberdade. Enquanto os demais produtores têm autonomia para gerar, comercializar e processar um produto agrícola, o trabalhador florestal não tem, é previamente taxado de bandido e a atividade é cerceada.
O que deve ser feito para desestigmatizar o cenário?
O setor florestal deve trabalhar a imagem e mostrar para a sociedade que a área é fundamental para a cadeia produtiva, principalmente em Minas Gerais. Somos diferenciados no mundo porque temos potencial de consumir um termorredutor único oriundo de um recurso natural renovável. O mundo consome recursos naturais não renováveis que poluem o meio ambiente. Acredito que falta política de marketing para esclarecer a sociedade de que somos parceiros na proteção ambiental e qualidade de vida.
E quanto à legislação?
Não há motivo para produzirmos carvão com madeira de floresta nativa porque não existe interesse em ser consumido. Por outro lado, é preciso estar ciente que a lei florestal permite desmatar – não na Mata Atlântica, mas no Cerrado – e o Estado ordena que se dê um destino econômico para aquela madeira, que não é outro a não ser carvão. Com isso, consumir carvão vegetal de mata nativa é hoje uma obrigação legal, mas as empresas, que antes consumiam, não querem comprar o carvão de nativa. Até porque o carvão de plantação é mais homogêneo. Por isso, a lei tem que mudar.
As plantações existentes hoje no Estado são suficientes para abastecer o mercado?
Sim, para a demanda de consumo atual. No entanto, de acordo com a capacidade produtiva instalada dos altos-fornos, as plantações não são suficientes, mas outros estados têm madeiras disponíveis que poderiam ser utilizadas em Minas Gerais. O Estado também tem que criar políticas para estimular o produtor, desde que haja um lastro para o consumo. Esse equilíbrio exige tempo, mas é possível controlar e equiparar a oferta de carvão de plantações com a demanda sem, necessariamente, ter que contar com o carvão oriundo de mata nativa.
Qual seria a solução para este problema?
A solução parte de um princípio constitucional e da presunção da inocência. Não podemos tratar os produtores de carvão vegetal como bandidos. O Estado Democrático de Direito diz que todo mundo é inocente até que se prove o contrário. Quem cometer, de fato, uma ilegalidade desmatando e fazendo carvão sem ter autorização deve ser punido e deve pagar por ter quebrado essa confiança. Mas esse cidadão é um ponto fora da curva porque ninguém desmata para fazer carvão e sim para agricultar. Não podemos generalizar que todo mundo é bandido a ponto de e inviabilizar a atividade, encarecer o produto e desestimular os produtores.
Que tipo de burocracia é aplicada no setor de produção do carvão vegetal?
Hoje, até para plantar floresta, mesmo em áreas autorizadas, é preciso passar por um processo de licença, que muitas vezes dependendo do tamanho, é feito pelo EIA/Rima, um processo extremamente caro. Para colher também é necessária autorização e comprovar a atividade com uma série de documentos. Para transportar também são feitas diversas exigências. Tudo isso, sem levar em consideração o fator tempo que o órgão leva para poder autorizar todo o trabalho.
Essas exigências são exclusivas da área florestal?
Sim, a começar pela restrição da área florestal ter que vincular a venda ao consumo de uma indústria. O produtor de soja ou milho, por exemplo, precisa apenas apresentar a nota fiscal. Ele tem liberdade para colher, vender e estocar para quem ele quiser. No segmento de carvão não. Você tem que ter autorização para produzir, colher, vender e transportar. É um excesso que tem comprometido a nossa competitividade em termos de produto siderúrgico e em ter um termorredutor natural renovável frente a um que é não renovável e impactante.
Como fica o mercado diante deste cenário?
Os pequenos produtores não conseguem ser competitivos porque o preço do carvão no mercado está ruim. O custo está alto e boa parte disso é devido à burocracia que tem um peso significativo no custo da produção. Se este pequeno produtor não tem competitividade, ou ele sai do mercado ou vai para a ilegalidade. Por isso, a punição exagerada só traz prejuízos à cadeia. As empresas passam a migrar para a produção própria ou começam a usar o carvão mineral. E é aí que todos perdem: os produtores, a sociedade e, principalmente o mercado e o meio ambiente porque o carvão mineral polui e ainda é um produto importado. Mudaram a lógica e a hermenêutica. Precisamos ter coragem para mudar esta realidade.
Fonte: CIFlorestas
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