O Brasil tem tudo para ser o primeiro país do mundo a ter escala para trabalhar com biocombustível na aviação comercial. Pelo menos é essa a expectativa dos executivos do setor. "Talvez em 2016 a gente já possa estar com um bom número de operações", diz Antonini Puppin-Macedo, diretor de operações e coordenação de pesquisa da Boeing.
Empresas nacionais e estrangeiras têm promovido, nos últimos anos, uma série de experiências com biocombustíveis pelo mundo, com matérias-primas como cana de açúcar, soja e óleo. O Brasil vem tentando tomar a frente no assunto, assim como já aconteceu com o etanol usado nos carros e a primeira rota fixa do país com combustível "verde" deve ser lançada, ainda neste ano, pela GOL. A rota vai voar entre Fernando de Noronha e Recife (PE).
Os altos custos, porém, ainda são o principal empecilho enfrentado pelo setor. Hoje, o biocombustível tem um custo três vezes maior do que o do tradicional. "Como o combustível representa cerca de 40% dos custos de uma companhia aérea, dá para imaginar o impacto", diz o diretor técnico operacional da GOL, Pedro Scorza.
Frédéric Eychenne, gerente do programa de novas energias da Airbus, vai além. Segundo ele, atualmente não há informação suficiente sobre o fornecimento de matéria-prima. "A disponibilidade de estoque é apenas baseada em previsões, que por sua vez se traduzem em custos mais elevados", afirma. Alguns incentivos regionais, como os que têm sido dados pelos Estados de Pernambuco e Minas Gerais, devem ajudar as empresas nesse sentido.
Adilson Liebsch, diretor comercial da Amyris, prevê um prazo um pouco maior para a adoção do combustível verde em grande escala. "O etanol levou duas décadas para se tornar competitivo. Quando começamos com o biodiesel, em 2008, o custo era muito maior do que o do diesel. Hoje, é competitivo, porque a indústria ganhou escala e eficiência. Imagino que o biocombustível de aviação, num horizonte de cinco anos, já esteja competitivo também", afirma.
Rota fixa
A ligação entre o arquipélago de Fernando de Noronha e Recife (PE) feita pela companhia aérea GOL deve ser a primeira do país a contar com um voo comercial fixo feito com biocombustível. A expectativa é que isso ocorra antes do fim deste ano. Fabricantes de aviões, companhias aéreas e produtoras de combustível também apostam que, até 2016, outras rotas comerciais passem a adotar biocombustíveis.
Acontecimentos recentes justificam as previsões do setor. A Amyris, empresa de biotecnologia industrial, e a Total, fornecedora de energia, acabaram de obter uma certificação internacional para um bioquerosene feito a partir da cana-de-açúcar, que pode ser adicionado na proporção de até 10% ao querosene de aviação fóssil, o tradicional.
Para que o produto seja comercializado, ainda falta uma normatização específica da Agência Brasileira de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Segundo a ANP, ela será dada até outubro. "A primeira rota regular que vemos que tem potencial para ser feita com biocombustível é entre Recife e Fernando de Noronha. É um objetivo que temos para este ano ainda", diz o diretor da GOL, Pedro Scorza. A empresa conta com o apoio do programa Noronha Carbono Neutro, do governo do Estado de Pernambuco, que tem por objetivo reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO2) na ilha.
Poluição
A aviação, hoje, é responsável por 2% das emissões de gases de efeito estufa no mundo todo. Parece pouco, mas é o suficiente para colocar esse setor entre os mais poluentes, principalmente considerando-se que ele cresce de 8% a 10% ao ano.
Com o objetivo de diminuir essas emissões, a Associação Internacional de Transportes Aéreos (IATA, na sigla em inglês) determinou uma série de metas ambientais para o setor em 2010. Até 2020, as empresas precisam estabilizar as emissões de CO2 na atmosfera. De 2020 até 2050, precisam diminuir em 50% o nível das emissões, usando-se como referência o ano de 2005.
Segundo Frédéric Eychenne, gerente do programa de novas energias da Airbus, o uso do biocombustível reduz em até 80% as emissões de CO2. "Para um futuro próximo, a aviação não tem outra opção a não ser encontrar uma alternativa sustentável que possa ser produzida em escalas comerciais sem competir com culturas alimentares", afirma Eychenne. Em seus testes, a Airbus já fez mais de 1.500 voos comerciais pelo mundo usando combustível alternativo.
Agnóstico
Cana-de-açúcar, soja, óleo de cozinha usado, óleo de camelina (um tipo de flor) e macaúba (um tipo de palmeira). Essas são algumas das matérias-primas que vêm sendo testadas na produção do biocombustível de aviação pelo mundo. Antonini Puppin-Macedo, da Boeing, costuma dizer que o biocombustível é "agnóstico". Ou seja: ele pode ser produzido a partir de vários tipos de biomassa.
Isso permite a escolha da matéria-prima de acordo com a região de produção. A Boeing, por exemplo, desenvolve projetos com cana-de-açúcar em São Paulo, enquanto trabalha com macaúba em Minas Gerais e com soja no Rio Grande do Sul.
Essa tem sido, também, a estratégia da Airbus. "Nossas atividades se baseiam em estabelecer as soluções locais mais adequadas para as comunidades ao redor do mundo. Entre as diferentes matérias-primas que já foram aproveitadas, estão o óleo alimentar usado, óleos vegetais (por exemplo, de camelina) e açúcares", diz Frédéric Eychenne, gerente do programa de novas energias da empresa. Segundo ele, a Airbus, que tem frentes de trabalho na Austrália, no Brasil, no Oriente Médio, na Romênia, na China e na Espanha, tem se reunido com agricultores locais e refinarias para analisar as melhores opções e tentar uma redução de custos.
O uso de matérias-primas diferentes é interessante, ainda, porque permite que um avião saia de um país com um tipo de biocombustível e seja abastecido com outra variedade ao chegar ao seu destino. Um avião não pode ser totalmente abastecido com biocombustível. É preciso, sempre, que uma parte do combustível seja de querosene de aviação. As proporções de cada um variam conforme a matéria-prima. O uso do combustível alternativo não requer adaptação prévia do motor.
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