Já era para sermos a maior potência global em biodiesel, mas a alta
carga tributária, infraestrutura logística deficiente, uma política pública
conservadora, e a atuação em um mercado inédito, ainda atravancam o reinado do
biodiesel brasileiro internacionalmente. A afirmação é unânime e repetitiva
entre os líderes do setor de bioenergia quando se trata deste biocombustível,
extraído do esmagamento de grãos oleaginosos (soja, canola, caroço de algodão,
girassol) ou do aproveitamento do sebo bovino. Mas ainda assim, o clima de
otimismo em relação ao sucesso do Programa Nacional de Produção e Uso do
Biodiesel (PNPB), criado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em
2005, é próspero e incentiva a iniciativa privada a investir cada vez mais no
segmento (e eles garantem ter algo em torno de R$ 30 bilhões para aplicarem até
2020, quando o mínimo necessário, seriam R$ 7,36 bilhões). A expectativa,
agora, é que até dezembro de 2012, o Brasil assuma a liderança mundial do
setor, ultrapassando a Alemanha, que ainda está na frente no placar, com 200
milhões de litros a mais (em números exatos, o Brasil produz anualmente 2,4
bilhões de litros enquanto os alemães, 2,6 bilhões de litros).
Não é loucura do mercado. Prova disso foi o que já aconteceu no
setor desde 2005. “Saímos praticamente do zero naquele ano [736 litros de
biodiesel] para uma produção de 1,5 bilhão de litros em 2008, e 2,4 bilhões em
2011. A iniciativa privada investiu fortemente no setor, tanto que a capacidade
nacional do parque industrial é de 6 bilhões de litros de biodiesel por ano,
mas estamos ociosos”, explicou o presidente da Associação dos Produtores de
Biodiesel (Aprobio), Erasmo Carlos Battistela. Segundo o executivo, este valor
é cinco vezes maior do que foi investido entre 2005 e 2010. “E isso vai
acontecer quando o governo federal anunciar um novo marco regulatório para o
setor”, emenda.
O marco regulatório, que é a porcentagem de biodiesel que pode ser
adicionado ao diesel fóssil, até agora, tem sido o maior obstáculo para os
empresários, já que a outra grande luta do setor, a isenção tributária, foi
resolvida no começo do ano quando a presidente Dilma Roussef desonerou o setor
do Cide, Pis/Pasep, IPI e Cofins. “Com a capacidade produtiva que o Brasil tem,
já teríamos condições de atender a demanda para adicionar 10% de biodiesel ao
diesel imediatamente e, com os investimentos anunciados, esta capacidade saltaria
para atender aos 20% em poucos anos”, diz Battistela. Em 2005, quando nasceu o
PNPB, esta mistura era de 2%. Em 2010, passou a 5%, porcentagem que só seria
aumentada em 2013, de acordo com o programa governamental.
Battistela acredita que em pouco tempo o país assuma a liderança,
desbancando a Alemanha, 200 milhões de litros à frente, e isto pode acontecer
já no final deste ano, com a inclusão de novas usinas brasileiras no mercado.
“Temos tudo para isso, bastando apenas resolver os problemas internos”, diz
ele, sobre o governo.
Setor atraente
Mesmo com tantos entraves, as empresas investem cada vez mais no setor. Em
agosto, a Cargill, maior empresa de agronegócios do mundo, anunciou sua entrada
no segmento, com um investimento de R$ 130 milhões em uma usina em Mato Grosso
do Sul, e capacidade para 700 mil litros diários do biocombustível.
Na usina da Cargill, assim como nas 70 outras instaladas no país, a
matéria-prima mais utilizada para o biodiesel é a soja (82%), seguida do sebo
bovino (14%), além da canola e da palma, que vêm ganhando espaço. “E por um bom
tempo a soja vai dominar a indústria de biodiesel no Brasil”, diz o ex-ministro
dos transportes, Odacir Klein, diretor executivo da União das Indústrias de
Biodiesel (Ubrabio). Segundo ele, o uso da soja pode agregar valor à cadeia.
“Com o esmagamento do grão e a extração do óleo, temos o farelo de soja, que
podemos exportar com valor agregado”, diz.
Um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) aponta que, com o
biodiesel, o Brasil poderá exportar em 2020, aproximadamente 28 milhões de
toneladas de farelo de soja e obter uma receita de US$ 8,4 bilhões. “O aumento
da produção de farelo, usado como ração, possibilita a oferta de mais proteínas
animais, mais carnes em geral, que será a maior demanda”.
O chefe de Transferência de Tecnologia da Embrapa Agroenergia, José
Manuel Cabral de Sousa Dias, diz que, além do parque industrial do país já ter
condições plenas de atender a demanda de 10% imediatamente e de 20% até 2020, o
setor não comprometerá o abastecimento interno nem as exportações do grão.
"De acordo com a projeção do Ministério da Agricultura, em 2020 teremos 30
milhões de hectares plantados com soja. Para atender uma demanda de 10% por
exemplo, o setor consumirá 35,4% da produção projetada, de 86,5 milhões de
toneladas", diz ele. "Hoje, 14% da soja brasileira vira óleo para
biodiesel".
As usinas de biodiesel se concentram nos Estados do Rio Grande do
Sul, Mato Grosso, Goiás e São Paulo, onde há grande oferta de soja. As unidades
instaladas nas regiões Norte e Nordeste estão perto da maior oferta de palma
(óleo de dendê). “O que garante a continuidade dos investimentos são as
premissas do PNPB”, diz Klein. Estas premissas são a garantia de compra do
governo, através de leilões, e a possibilidade de obter o Selo Combustível
Social (quando os fornecedores são pequenos agricultores inscritos no Programa
Nacional de Agricultura Famliar , Pronaf). “Com o Selo Combustível Social, as
usinas têm prioridades para vender o biodiesel ao governo”. No Brasil, de
acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de
110 mil famílias saíram da pobreza para se tornarem fornecedores agrícolas. Em
2012, estima-se que a compra da matéria-prima movimente R$ 1,2 bilhões.
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