O Comitê Científico sobre Problemas Ambientais (Scope, na sigla em
inglês), organização vinculada, entre outros, à Unesco e Unep, convidou a
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) para coordenar a
produção de um relatório analisando as questões de sustentabilidade das
bioenergias. A participação da Fapesp vem com a bagagem dos programas de
bioenergia (Bioen), de biodiversidade (Biota) e sobre mudanças climáticas
(PFPMCG), coordenados pela fundação. A Fapesp montou um time de peso de
cientistas e pesquisadores reconhecidos internacionalmente para produzir esse
relatório.
Os coordenadores dos capítulos do relatório passaram uma semana
reunidos na Unesco em intensos debates, buscando chegar a acordos sobre
questões centrais ligadas à bioenergia. Temas como bioenergia e segurança
alimentar, bioenergia e segurança energética, bioenergia e desenvolvimento e
bioenergia e meio ambiente foram discutidos em profundidade. E, mais
importante, foram analisados sob uma perspectiva de ciência, sem engajamentos
políticos ou ideológicos.
O relatório, quando publicado, derrubará muitos mitos sobre as
interfaces entre bioenergia e sustentabilidade e deixará claro que a bioenergia
tem um importante papel a cumprir nas questões ambientais, sociais e
econômicas. Ele vai dar argumentos e fatos àqueles que acreditam que substituir
fontes não renováveis por bioenergias é uma opção a ser seguida por todas as
sociedades. Pena que o governo brasileiro não escute seus cientistas.
Não posso reclamar de ter passado uma semana em Paris discutindo
temas de bioenergia. Eles estão no meu sangue e, como para todos os brasileiros
ali, a convicção da importância e da necessidade da bioenergia para o
desenvolvimento do Brasil somente cresce. À medida que a semana passava,
consolidava-se a visão de que o País ainda tem grande liderança mundial no tema
de bioenergia, até mesmo num público de pesquisadores de países
tradicionalmente mais produtivos em ciência, em geral, do que nós. O exemplo da
cana-de-açúcar brasileira, com o etanol e a bioeletricidade, era reverberado a
todo momento, não só por brasileiros, mas também por estrangeiros. Mas a semana
em Paris foi como estar numa ilha da fantasia. A realidade, no entanto, é
dinâmica e a brasileira perdeu sua fantasia há muito tempo.
A bioenergia já entrou numa fase de transição dos modelos de
primeira geração para as tecnologias de segunda geração, nas quais o
aproveitamento das plantas utilizadas é muito maior e das quais se produz uma
gama mais ampla e diversificada de produtos, que vão muito além do etanol do
suco da cana e energia pela queima do bagaço. O Brasil está em situação
privilegiada porque, por causa da combinação entre álcool anidro, hidratado e
açúcar, tem grande produção de cana-de-açúcar disponível para múltiplos usos de
segunda geração.
Mas o desenvolvimento das tecnologias de segunda geração no Brasil
não está garantido porque temos cana-de-açúcar. Disponibilidade de biomassa,
sem dúvida, é fator determinante. E também não está garantido porque o BNDES
tem um programa de financiamento para inovação nesta área. O Brasil precisa
escolher qual o papel da bioenergia na oferta de combustíveis líquidos,
produtos químicos e eletricidade. A escolha feita pelo atual governo foi
subsidiar os combustíveis fósseis, e sua consequência mais óbvia, além dos
prejuízos ao caixa da Petrobrás, foi eliminar todos os estímulos em
investimentos em bioenergia.
Ao subsidiar os derivados de petróleo, o governo brecou todos os
investimentos em cana, prejudicando não só o etanol, mas também a eletricidade
do bagaço, tão importante para garantir segurança em certos períodos do ano.
Mais do que isso, o governo pode pôr o Brasil à margem dos investidores que
hoje procuram regiões com oferta de biomassa para investir em segunda geração
de base agrícola. Se alguns reclamavam de que o Brasil tinha virado uma grande
senzala, imaginem o que será deste país quando estivermos na era do carvão.
/Fonte:
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